2023, o ano em que o futuro de extremos e fúria das mudanças climáticas se tornou o presente

Este foi o ano em que as mudanças climáticas transformaram o tempo. Tanto o tempo verbal quanto o meteorológico. Em 2023, elas deixaram de ser futuro e se tornaram presente.

Este foi um ano de eventos extremos, agravados por um El Niño intenso, que levou o clima do planeta ao que a Organização Meteorológica Mundial (OMM) chamou, em julho, de mergulho em “território desconhecido”.

Um território que se revelou repleto de ondas de calor, tempestades, inundações, incêndios, secas, nevascas, ciclones, furacões e tornados.

O ano termina com as maiores anomalias e sucessão de extremos climáticos já testemunhadas pela Humanidade. E, segundo a OMM, é só o primeiro ano de uma nova era de extremos das mudanças climáticas.

O ano mais quente da História
O registro oficial ainda não saiu, mas é dado como certo que 2023 é o ano mais quente registrado. A média da temperatura global deve ficar 1,4ºC acima da do período pré-industrial. É a maior elevação desde o início dos registros, em 1850. E 2023 veio na esteira de nove anos seguidos de tendência de elevação.

Os oceanos fervem
O El Niño é um fenômeno natural causado pela elevação da temperatura do Oceano Pacífico Equatorial. Em 2023, formou-se um El Niño intenso. Mas não é apenas o Pacífico que está mais quente. Todos os oceanos estão acima da média, com destaque para o Atlântico Norte, cerca de 2ºC acima da média histórica. Como os oceanos aquecidos liberam mais calor em forma de vapor para a atmosfera, houve combustível de sobra para anomalias, como ciclones (de todos os tipos) fora de época ou de evolução super-rápida. Em julho, a temperatura superou 38ºC na costa da Flórida, marca que se julgava impossível. Em setembro, o Atlântico Norte gerou o dobro do número de ciclones que o Pacífico, mesmo estando este com El Niño. O Pacífico somou 37 ciclones contra 74 do Atlântico Norte.

Derretimento na Antártica
Em fevereiro, as plataformas de gelo sobre o mar na Antártica chegaram ao menor nível desde que as medições começaram, em 1979, informou a OMM. Junho teve a menor extensão de gelo e a cobertura máxima, esperada para setembro, foi a menor observada. O fenômeno influencia correntes marinhas, o clima e causou mortalidade em massa de pinguins-imperadores, que dependem do gelo marinho para procriar.

55 dias no Inferno
Em 2023, o mundo inteiro se tornou uma bolha quente, assolado por ondas de calor. Mas nenhuma cidade foi mais simbólica do que Phoenix, no Arizona, que fez jus ao nome que alude à ave mítica e quase entrou em autocombustão e precisou ressurgir das cinzas. Entre junho e julho (verão no Hemisfério Norte), Phoenix registrou 55 dias de temperaturas iguais ou superiores a 43ºC, sendo que 31 deles seguidos, de 30 de junho a 30 de julho. A temperatura do asfalto chegou a 82ºC e pessoas que caíram no chão chegaram a sofrer queimaduras. Meteorologistas disseram que o calor de Phoenix seria impossível sem o aquecimento global.

Calor-As ondas de calor foram os principais extremos de 2023. Phoenix se destacou, mas milhões de pessoas foram atingidas em todo o mundo. As ondas mais intensas aconteceram no Hemisfério Norte. Julho, auge do verão setentrional, foi o mês mais quente do ano. Na China, o termômetro alcançou 52,2ºC. E Pequim teve 27 dias consecutivos acima de 35ºC, o que levou à proibição de trabalho ao ar livre durante esse período. Na Europa, Espanha, Grécia e Itália tiveram recordes nacionais batidos, com temperaturas superiores a 45ºC. A Itália sofreu mais, e cidades da Sardenha registraram 48,2ºC em 24 de julho. Ondas de calor continuaram até setembro, atingindo França, Suíça e Reino Unido. Na França, as temperaturas passaram de 42ºC em cidades como Toulouse.

Dilúvio no deserto
O ciclone Daniel nasceu no Mar Mediterrâneo e atingiu em cheio Grécia, Bulgária e Turquia em 5 de setembro, com inundações e tornados. Zagora Pelion, na Grécia, recebeu 759 mm de chuva em 24 horas, mais do que o recorde brasileiro, em Bertioga (SP), também neste ano. Plantações foram sepultadas por lama. Mas, quando se achava que se enfraqueceria, Daniel voltou para o mar, atravessou o Mediterrâneo com potência redobrada e, em 10 de setembro, atingiu a Líbia. Causou um dilúvio no deserto. As chuvas romperam duas barragens e destruíram a cidade de Derna. A passagem de Daniel matou 4.345 pessoas e deixou outras 8.500 desaparecidas.

Monstro incansável
Freddy chamou a atenção pela duração, a intensidade e a distância percorrida. Ele foi um ciclone tropical (denominação de furacões no Índico) que se formou em 6 de fevereiro na Austrália e só desapareceu em 11 de março, em Moçambique, depois de causar devastação em Madagascar, Zimbábue e no Malawi. Percorreu 8 mil quilômetros. Ele teve ventos de até 270 km/h e matou 1.434 pessoas.

A destruição do paraíso
A velocidade com que Otis passou de uma tempestade fraca para um furacão de categoria 5 (ventos acima de 270 km/h), a mais forte, impressionou meteorologistas. Em apenas 24 horas ele virou um monstro que arrasou a cidade de Acapulco, no México, famosa por suas praias paradisíacas. Normalmente, esse processo pode levar mais de uma semana. Além disso, foi o primeiro furacão no leste do Pacífico a permanecer na categoria 5 após chegar ao continente. Essas tempestades perdem a força ao deixar o oceano, pois seu combustível é vapor d’água do mar aquecido. Cientistas disseram que foi a água a 31ºC em grandes profundidades que deu a Otis tamanho poder destrutivo. Ele matou mais de 50 pessoas e destruiu ou danificou com seriedade cerca da metade das edificações.


Prejuízo bilionário
O tufão (nome dado a furacões na Ásia) Doksuri atingiu as Filipinas, o Vietnã, Taiwan e causou as piores enchentes da história recente da China entre 29 de julho e 4 de agosto. Foi a tempestade mais cara enfrentada pela China, com US$ 15,7 bilhões em prejuízos, e deixou mais de um 1 milhão de desabrigados em grandes cidades, como Pequim e Tianjin. Considerado um supertufão, teve ventos de 240 km/h.

Enxames de tornados
O período de janeiro a março de 2023 registrou o maior número de tornados da História, todos nos Estados Unidos. Em apenas um dia, 31 de março, 150 tornados afetaram cidades do sul e do meio-oeste americanos. Tornados continuaram a atingir os EUA com severidade até junho.

O céu em chamas
Durante boa parte de junho, laranja foi a cor do céu na América do Norte. O tom veio das chamas da altura de prédios que consumiram as florestas do Canadá. O país enfrentou os maiores incêndios florestais de sua história, seis vezes maiores que a média. A fumaça chegou aos EUA e fez cidades como Nova York emitirem alertas de baixa qualidade do ar. Mais de 18,4 milhões de hectares queimaram até novembro, o equivalente a 5% das florestas canadenses, uma área quatro vezes maior que a do estado do Rio de Janeiro.

Terror no Havaí
O mais letal incêndio florestal do ano atingiu a ilha de Mauí, no Havaí. Conhecida como um paraíso para o turismo e o surfe, Mauí virou um inferno isolado no meio do Pacífico. Moradores e turistas precisaram se atirar ao mar para escapar do fogo. Uma seca prolongada e um forte calor associados aos ventos do furacão Dora criaram a situação perfeita para as chamas se espalharem pela ilha em questão de horas. A cidade histórica de Lahaina foi destruída. Quase 100 pessoas morreram, o maior número num incêndio florestal num estado americano em 100 anos. Até este ano, não se supunha que uma região tropical úmida como o Havaí estivesse sujeita a esse tipo de incêndio.

FRIO-O aquecimento global causa todo tipo de desequilíbrio na atmosfera, inclusive eventos de extremos de frio. Foi o que aconteceu em janeiro. Na Rússia, o termômetro chegou a letais -62,7ºC em 18 de janeiro. No nordeste da China, nevascas derrubaram o termômetro para -50,8ºC em Mohe em 22 de janeiro. A exposição a essas temperaturas, sem extrema proteção, pode matar uma pessoa em questão de minutos.

O GLOBO Foto Agencia Brasil