Exposição mostra que o Sertão não é só feito de seca e fome

Sozinho, Simpatia, Boa Sorte, Baú, Fortuna, Beleza e Feiticeiro. Existem municípios do Sertão nordestino cujos nomes são poesia pura. Ao escolhê-los para fazer sua viagem-pesquisa artística, Adones Valença descobriu que a poética não estava somente na nomenclatura, mas nas pessoas, na geografia, em um Sertão que deveria se chamar Esquecido, pois foi o que mais ouviu de seus moradores sobre o local onde vivem. 

Mas o Sertão não cristalizou na miséria, na seca e na fome, como a própria arte costuma retratar. É muito mais do que isso. E precisa ser desmistificado. Adones, natural de outro lugar de alcunha poética, Belo Jardim, buscou fazer isso através de seu trabalho aprovado pelo Rumos do Itaú Cultural, que agora virou a exposição "Viagens não têm títulos".

Entre janeiro e fevereiro deste ano, o artista viajou com uma mala que se transformava em uma galeria de arte ambulante, repleta de desenhos, pinturas e esculturas produzidas pelo próprio Adones, e viajou pela Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco e Bahia. No caminho, também ia produzindo, desenhando, escrevendo, fazendo registros fotográficos que resultaram em uma publicação e em três trabalhos, sendo uma videoarte e duas instalações.

"As pessoas me diziam: você não imagina que se more tão longe. Mas longe de quê? Qual o referencial? A lógica de tempo não precisa ser a dos grandes centros urbanos; é possível haver outras referências. O artista do Sertão não quer ir ao MoMA de Nova Iorque; quer elaborar outra cartografia artística", avalia Adones, que passou por lugares onde esteve Lampião, onde nasceu Antônio Conselheiro, onde há outras referências. "Meu papel não é ver o outro com exotismo", avisa. 

Em "Ex voto cênico", Valença sobe o Monte Santo, na Bahia - onde o cineasta Glauber Rocha filmou o clássico "Deus e o Diabo na Terra do Sol" -, com uma caixa d'água na cabeça. "É como se estivesse pagando uma promessa que eu não fiz, em um lugar de muita peregrinação, onde a fé busca vencer a falta de água, mas pareço Sísifo, que na mitologia grega sobe a montanha com uma pedra e nunca consegue chegar ao final porque ela sempre rola para o começo". 

Na instalação "Peixes", novamente a falta de água e a reflexão sobre a vida e a morte vêm à tona quando o artista conhece Manoel Baixinho, 75 anos, morador de Sozinho, na Paraíba, que faz um tanque de pedra há 40 anos para criar peixes. Isso em um lugar onde não chove há seis anos! Já a "A Grande Árvore" representa o local onde as pessoas param para descansar, na sombra que acolhe, geralmente à margem de um rio, provalmente agora seco. 
 

: Carol Botelho, da Folha de Pernambuco