Sistema cicloviário brasileiro apresenta um cenário de desigualdade e ineficiência

O estudo intitulado Priorizar o transporte ativo por bicicletas!, publicado pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM), núcleo de pesquisa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo, apresenta uma análise instrumental de planejamento relacionado ao sistema cicloviário de São Paulo, comparando o cenário atual com o que foi planejado para o futuro, sob o panorama das desigualdades.

O jornalista Flávio Soares, mestrando da Escola Politécnica (Poli) da USP, integrante da equipe de pesquisa do CEM e um dos autores do artigo, explica os principais pontos analisados para a construção de ciclovias e ciclofaixas nas cidades.

Por definição, ciclovia é uma pista de uso exclusivo por ciclistas, que possui uma segregação física do tráfego comum, mediante uma elevação ou barras de proteção, o que afasta os ciclistas dos automóveis e dos pedestres. Como identificação, ela tem uma pintura diferente do asfalto e o símbolo de uma bicicleta desenhado no solo.

Em contrapartida, a ciclofaixa é um espaço delimitado na própria via — isto é, no nível da pista de rolamento — por sinalização específica. Ela pode ser localizada na calçada ou em um canteiro exclusivo para ciclistas, junto aos demais veículos.

Outros espaços também são para usuários de bicicletas, porém não são de exclusividade deles: ciclorrota, menos comum dentre todos, é um espaço compartilhado com pedestres ou veículos, pensado para interligar pontos de interesse; calçada partilhada é uma via pública na qual há separação entre pedestres e ciclistas; já as calçadas compartilhadas são espaços onde os dois podem usar, sem separação, com prioridade para os pedestres.

Sistema cicloviário-De acordo com a Lei Siclo, que sanciona o Sistema Cicloviário do Município de São Paulo, a malha cicloviária é composta de ciclofaixas, ciclovias, estacionamento de bicicletas e outras infraestruturas. A regulamentação e a implantação desse sistema são importantes, pois influenciam na redução dos espaços destinados a veículos — Fortaleza e Londres são exemplos de cidades em que é possível identificar tal cenário.

Os estacionamentos são divididos em dois, paraciclos e bicicletários. O primeiro é um estacionamento ágil, de curta duração, representado por um suporte para a fixação de bicicletas, que pode ser instalado em área pública ou privada. Por outro lado, o segundo é definido como um estacionamento, também localizado em áreas públicas ou privadas, dotado de zeladoria presencial ou eletrônica — isto o torna mais seguro, permitindo que seja utilizado por uma maior quantidade de tempo.

No que concerne à implantação de ciclofaixa na cidade, o especialista explica a necessidade de que seja feito, pela legislação, um Plano Diretor e, pelo Plano Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), planos de mobilidade urbana. A partir disso, uma primeira proposta é realizada por um órgão governamental de trânsito e, de maneira ideal, é passada pela população para que ela dê uma devolutiva a respeito da proposta inicial. Dessa forma, projetos de curto, médio e de longo prazo são lançados, a fim de estabelecer metas. 

Conforme o especialista, é realizado um diagnóstico momentâneo das estruturas, metas de quilometragem e, para finalizar, um mapa que vai servir de referência das localidades onde serão adicionados os traçados. Soares cita o caso de São Paulo para explicar esses projetos propostos: “São Paulo fez a sua primeira proposta, que inclusive teve participação social, a partir de uma rede de referência, o horizonte do pulmão. A meta é chegar a 1.800 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas até o ano de 2028 e estamos perto da metade desse caminho”. O estudo do CEM apontou que, em 2021, a extensão da malha cicloviária estava próxima dos 40% da meta.

O sistema cicloviário, juntamente com suas políticas de incentivo, tem o objetivo de promover a redução da emissão de gases de efeito estufa, do trânsito de automóveis individuais nas cidades e popularizar o uso da bicicleta como meio de transporte. Além disso, pretende contribuir na acessibilidade da população e efetivar o direito à cidade.

O professor explica que a falta de vivência nas ruas influencia no planejamento para construção de vias cicloviárias: “Um ciclista entende que uma via não é adequada por vários motivos, às vezes tem um tráfego de veículos pesados ou não tem a linha de desejo. Muita gente acha que o ciclista deveria circular somente em vias locais e, pelo contrário, as linhas de desejo passam pelas arteriais — avenidas da cidade que vão ser as oportunidades de trabalho, estudo ou comércio”. 

ISegundo Soares, a implantação da infraestrutura cicloviária tende a apresentar resultados imediatos, como a ampliação do número de ciclistas, que se sentem mais seguros para iniciar a prática, e, especialmente, a quantidade de mulheres aumenta consideravelmente. Além disso, há uma canalização dos ciclistas que buscavam rotas mais seguras e mais conectadas para essas localidades.

Em contrapartida, quando essas estruturas não são construídas na linha de desejo dos ciclistas ou não são interligadas às principais vias, não ocorre esse aumento imediato de bicicletas. A questão da segurança viária também é vital para esse impacto: “Ciclistas que estão na contramão, porque é o caminho mais curto, na calçada, ou seja, fora da estrutura, buscam proteção”, afirma o professor.

No Brasil-Um levantamento, feito entre 2022 e 2023 pela Aliança Bike (Associação Brasileira do Setor de Bicicletas), analisou todas as capitais brasileiras e apontou que o País apresenta uma tímida evolução do sistema cicloviário. No último ano, por exemplo, foi apresentado um acréscimo de 4%, atingindo a marca de totais 4.365 km e, em média, as capitais brasileiras apresentam 161,7 km de rota — foram incluídas apenas ciclofaixas e ciclovias no monitoramento e não foi analisada a qualidade das infraestruturas.

O PNMU determina que o transporte não motorizado seja priorizado nas cidades com mais de 20 mil habitantes, ou seja, esse número indica o baixo esforço das Prefeituras na construção de espaços destinados a bicicletas. Foi realizada uma relação entre o número de ciclofaixas e ciclovias e o de habitantes nas capitais, sendo o primeiro lugar do ranking ocupado por Florianópolis, que disponibiliza uma média de 22 km de malha cicloviária por 100 mil indivíduos. Além disso, Palmas (TO), Maceió (AL) e Brasília (DF) ocupam os três primeiros lugares na lista das cidades que mais cresceram, em números porcentuais de quilômetros construídos durante o período, com cerca de 40%, 27% e 21%, respectivamente.

Na lista que relaciona o número das vias exclusivas para ciclistas e de moradores, o município de São Paulo aparece na 19ª posição, mesmo apresentando a maior malha cicloviária entre as capitais do País, com 689,1 km. Isto se conecta com o fato de a cidade possuir a maior frota de veículos do Brasil, concomitantemente. Apesar dos quase 700 km de ciclovias e ciclofaixas, parte delas está sumindo por conta da deterioração das estruturas e de obras de recapeamento.

Cenário desigual-A cidade de São Paulo não mensura e não monitora as desigualdades relacionadas à mobilidade ativa, apesar do seu sistema cicloviário ter o objetivo de reduzi-las. A partir disso, o estudo do CEM apontou vários fatores que reforçam relações desiguais na cidade, como a restrição das bicicletas compartilhadas e a concentração de ciclovias e ciclofaixas nas regiões centrais, mais ricas e com mais automóveis. As poucas estruturas localizadas nas áreas periféricas estão, em geral, desconectadas da malha principal e, nas zonas com baixo índice de veículos, nota-se a ausência dessas vias exclusivas.

Flávio Soares comenta que esse cenário exclui a população que mais necessita do transporte ativo: “É investido mais no centro, onde já possui estrutura de transporte público com curtas distâncias e onde as pessoas andam de veículo motorizado, isto é, você já tem oferta de transporte para as pessoas migrarem”.

Jornal da USP Foto agencia brasil