Artigo: Papa Francisco e o sarcasmo da meritocracia

O criador do conceito de "meritocracia" foi Michael Young, um pensador de esquerda, ligado ao Partido Trabalhista inglês, quando analisava o sistema de ensino na Inglaterra e se debatia com a ideologia justificante dos privilégios da aristocracia britânica.

De fato, ele cria a expressão meritocracia como uma forma de escárnio, de ironia, para desmoralizar a frágil ideologia da classe dominante. Pior, a direita brasileira vai tomar o sarcasmo como se fosse um elogio e passa a espalhar a expressão como se fosse um pilar ético para sustentar seus privilégios.

A certa altura do seu livro THE RISE OF MERITOCRACY o autor (Michael Young) chega a dizer que "o único mérito daqueles alunos era a conta bancária de seus pais".

Porém, não para por aí. Ao defender que a saída para a qualidade do ensino inglês era o investimento em educação e nos professores, então professa a frase seguinte: "Second-rate teachers, a second-rate elite: the meritocracy can never be better than its teachers. Numa tradução livre: "professores de segunda categoria, uma elite de segunda categoria: a meritocracia nunca poderá ser melhor que seus professores".

Papa Francisco, na Laudate Deum, também faz sua crítica à ilusão meritocrática:

Incrementam-se ideias erradas sobre a chamada «meritocracia», que se tornou um «merecido» poder humano ao qual tudo se deve submeter, um domínio daqueles que nasceram com melhores condições de progresso. Caso diverso é a sadia abordagem do valor do compromisso, do desenvolvimento das próprias capacidades e dum louvável espírito de iniciativa; mas se não se procura uma real igualdade de oportunidades, a meritocracia facilmente se transforma num para-vento que consolida ainda mais os privilégios de poucos com maior poder. Nesta lógica perversa, que lhes importa os danos à casa comum, se se sentem seguros sob a suposta armadura dos recursos económicos que obtiveram com as suas capacidades e esforços? (LD 32).

Educação de qualidade se faz com espírito crítico, leitura de mundo, investimentos em uma escola pública, de tempo integral, com excelente infraestrutura para os alunos, com salários dignos e condições de trabalho para os professores, com um conteúdo que responda aos desafios contemporâneos. O talento pode vir das periferias, das favelas, dos deserdados, dos sem conta bancária O resto é ideologia da elite dominante, cujo único mérito dos filhos é ter a conta bancária dos pais para pagarem as universidades privadas mais caras, ou para indicá-los sem concursos públicos aos empregos mais rentáveis.

Young,  Michael. The Rise of the Meritocracy (Classics in Organization and Management Series) (p. 52). Taylor and Francis. Edição do Kindle.

Roberto Malvezzi (Gogó)

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