Especialistas afirmam que não bastam apenas a criação e a implementação de medidas punitivas para combater a violência contra a mulher

Cerca de 50 mil mulheres sofreram algum tipo de violência a cada dia em 2022. Essa informação é da pesquisa Visível e Invisível:

A Vitimização de Mulheres no Brasil , encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), uma organização sem fins lucrativos (ONG) que coleta, anualmente, dados sobre os casos de violência no País.

Desde 1985, com a fundação da Delegacia de Defesa da Mulher, o Brasil vem implementando cada vez mais políticas públicas e leis para proteção de vítimas de violência. Porém, se o País está equiparado com tantas ferramentas para amparar as vítimas, por que os dados de violência contra as mulheres continuam tão alto? 

A pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública apresenta números elevados porque diz respeito a uma pesquisa de vitimização. Nesse tipo de relatório, inúmeras mulheres são questionadas sobre terem sofrido algum tipo de violência, sem necessariamente terem realizado algum registro policial. Dessa forma, como explica Giane Silvestre, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, esses dados são mais fiéis à realidade. 

A pesquisa realizada pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública e pelo Monitor da Violência, por exemplo, elabora seus dados depois de coletar registros feitos nas delegacias. Como muitas vítimas de violência não denunciam seus agressores, os números registrados por esses indicadores e os números analisados pelo fórum não são os mesmos. 

As próprias políticas públicas existentes para assegurar a proteção de vítimas de violência são consequência de uma sociedade violenta contra as mulheres, como explica Heloísa Buarque de Almeida, professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Essas medidas, por exemplo, surgem depois de lutas feministas que buscavam proteger vítimas de violência doméstica. “A gente precisa lembrar que qualquer uma dessas políticas já é resultado de uma situação de violência doméstica muito grave”, pontua Heloísa. 

A criação de novas leis e a implementação de políticas públicas não começam a surtir efeito assim que são aplicadas. Isso acontece, dentre alguns motivos, pela demora que a sociedade apresenta para reconhecê-las. Quando uma nova medida é implementada, às vezes as mulheres vítimas de violência conhecem apenas a medida anterior, e por isso demoram para recorrer. Além desse caso, Heloísa explica que leva tempo tanto para o aparato jurídico como o sistema policial, Judiciário e os operadores do Direito – como advogados, juízes e promotores públicos – incorporarem totalmente as novas propostas legislativas. 

Segundo Mariângela Gama Magalhães, professora da Faculdade de Direito (FD) da USP, as medidas protetivas e leis atuais surtem efeitos positivos na proteção de mulheres vítimas de violência. Entretanto, o problema está em sua fiscalização por parte do Estado, que não dispõe de aparatos disponíveis 24 horas por dia. 

No caso das delegacias de Polícia, Ministérios Públicos e guardas civis, a professora também acredita na sua eficiência; porém, esses dispositivos são insuficientes para atender à demanda das mulheres que estão em situação de perigo. “Ainda é importante frisar que não necessariamente esses canais são compostos de pessoas capacitadas para atender a esse tipo de denúncia. A violência contra a mulher tem características muito específicas e é diferente da violência urbana, e esses elementos demandam um tratamento diferenciado por parte das autoridades “, explica. 

Historicamente, o Brasil se apresenta como um país violento e machista. Atualmente, os movimentos feministas conquistam cada vez mais espaço e visibilidade na sociedade; entretanto, também foi possível observar a ascensão de grupos conservadores nos últimos anos. “Esses movimentos defendem a desigualdade de gênero nas relações sociais, naturalizam a submissão das mulheres e a violência doméstica, como uma forma de dominação e superioridade masculina em relação às mulheres”, explica Giane. 

Jornal da USP