ARTIGO - Coronelismo, enxada e poder

Acabo de reler, com redobrada atenção, o clássico “Coronelismo, enxada e voto” (1948), de Victor Nunes Leal, um importante marco das ciências sociais, até hoje lido e discutido.

Publicado nos anos quarenta do século passado, a obra esboça minucioso perfil do município brasileiro, chamando a atenção, em especial, para as relações de poder aí existentes. Relações de poder em que se sobressaem, de modo particular, as figuras do coronel e do dono de terras, principais agentes da cena política/administrativa nesses importantes entes do sistema federativo.

É interessante notar que, transcorridos mais de 70 anos da publicação da obra, a realidade do município, em geral, continua praticamente a mesma, salvo uma ou outra exceção. A “gamela municipal”, para usar uma expressão do próprio autor, ainda convive com as mesmas mazelas apontadas nesse livro pioneiro, cabendo destacar, dentre outras, o filhotismo, o mandonismo e o paternalismo. 

Trata-se de um círculo vicioso (e danoso), cujas consequências são as piores possíveis para a maioria esmagadora dos munícipes – aqueles que mais dependem do poder público –, resultando via de regra em processos de dominação e dependência, o que, por sua vez, conduz ao atraso e à miséria – um quadro infelizmente ainda não pouco comum em grande parte dos municípios brasileiros. Ou em todos eles, em maior ou menor escala.

Logo o município, que é onde residem os cidadãos e cidadãs – como bem lembrou alguém certa feita! E que justamente por isso deveria ser gerido com o máximo de responsabilidade, garantindo vida digna a todos que aí se encontram.

José Gonçalves do Nascimento
Escritor 

Da Redação RedeGN