Pesquisa com agricultores familiares aponta vantagens da transição agroecológica

Recente estudo realizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Caprinos e Ovinos, localizada no Estado do Ceará, aponta os benefícios econômicos e ambientais resultantes da transição agroecológica baseada em práticas mais sustentáveis nos sistemas de produção.

A pesquisa, feita a partir das experiências de 70 famílias de agricultores familiares do Ceará, comparou aspectos quantitativos e qualitativos nos territórios do Sertão de Crateús e Sertão de Sobral.

Os dados revelam um aumento da renda das propriedades que vêm adotando práticas agroecológicas há mais tempo quando comparadas com aquelas que estão no início do processo ou ainda praticam agricultura de forma tradicional. 

A reportagem da Agencia Eco Nordeste (Veja Aqui), destaca que a transição agroecológica se dá pelo processo gradual de mudança dos manejos no sistema de produção, para a adoção de práticas agrícolas com princípios e tecnologias de base ecológica. A transição tem como cerne a racionalização do uso da terra e mudança de atitudes e valores em relação ao manejo e à conservação dos recursos naturais.

De acordo com a pesquisa, a maioria dos agricultores que aderiram a esse sistema, no início do estudo, em 2012, estão em nível intermediário da transição, quase não usam mais insumos químicos e não adotam pacotes tecnológicos fechados, explica o zootecnista Éden Fernandes, líder do projeto Redinovagroeco, que realizou esse estudo. 

A propriedade familiar de Ramom Ximenes, jovem agricultor, é um exemplo dentre as que estão em processo de transição desde 2012. A família cria caprinos, ovinos, bovinos, suínos, aves, peixes e abelhas, além de possuir árvores frutíferas, palma, gliricídia e uma capineira para alimentar o rebanho. Ximenes ressalta que começou a participar do projeto porque queria trabalhar preservando a natureza e, dentre as modificações implantadas ao longo do processo, destaca a estrutura para armazenamento de forragem e água para os animais, um galinheiro e área cercada para animais e plantas. 

Para a zootecnista Maria Gardênia Sousa, que atuou como bolsista no projeto, as principais transformações observadas nas propriedades que estão no processo de transição agroecológica estão relacionadas à maior autonomia e capacidade de resposta das propriedades: “As famílias alcançaram maior independência em relação a adubo orgânico, água, sementes e produção de forragem, diminuindo a necessidade da compra de insumos para a produção em mercados”.

Segundo ela, também houve um aumento da biodiversidade animal e vegetal nos sistemas produtivos, estoque de insumos e na diversidade de mercados acessados: “Os agricultores passaram a acessar um número maior de feiras para comercializar os produtos, gerando renda para suas famílias”.

O pesquisador Edén Fernandes pontua que os benefícios econômicos, sociais e ecológicos foram consequência da organização social promovida pelo chamado espaço rede (nichos de inovação social): “Isso aumentou a integração social na partilha de saberes e experiências; aumentou a agrobiodiversidade e geração de produtos com valor mais agregado com independência de insumos agropecuários do mercado, como adubo, sementes, água e forragem; e aumentou a renda pelo acesso a mercados diversificados e de proximidades (cadeias curtas)”.

Fernandes explica que um conjunto de inovações tecnológicas vem sendo implementado nessa transição agroecológica e as que tiveram efeitos captados na avaliação na pesquisa foram:

Em cada território, foram avaliadas uma propriedade em estágio mais avançado de transição agroecológica e outra que não aderiu ou entrou mais tardiamente. Fernandes observa que algumas características são comuns às propriedades dos dois territórios, como a diversidade da produção. No entanto, alguns detalhes diferenciam e interferem nos resultados. “O gado bovino, por exemplo, é mais presente no Sertão de Crateús e não aparece tanto no território de Sobral, onde as propriedades são menores e existem áreas compartilhadas que não pertencem aos agricultores. Tudo isso impacta os resultados da produção”.

Duas propriedades foram avaliadas no Sertão de Sobral.  Aquela que está há mais tempo no processo de transição agroecológica obteve valores mais altos que os da propriedade que pratica agricultura de forma tradicional, tanto no produto bruto, ou seja tudo o que é produzido, quanto no valor agregado, que exprime a riqueza efetivamente gerada e equivale à renda bruta menos os custos relacionados aos insumos adquiridos nos mercados. 

Já no Sertão de Crateús, as propriedades avaliadas são da localidade Picos de Baixo, no município de Santa Quitéria. Enquanto uma delas está em estágio mais avançado, a outra intensificou a transição agroecológica somente a partir de 2021. Também se observou crescimento do produto bruto na propriedade que iniciou a transição agroecológica há mais tempo, assim como a maior agregação de valor em função da menor dependência da compra de insumos. 

IMPACTOS ECOLÓGICOS-O incremento da venda direta dos produtos para os consumidores em espaços como feiras municipais, venda na comunidade, pela internet, de porta em porta, por encomenda e em loja especializada foi também uma mudança observada pelo estudo. Além dos aspectos econômicos, outros indicadores são considerados: a responsividade, que diz respeito à capacidade de resposta às mudanças nos entornos social, econômico e ambiental; integração social, relacionada à participação em outros espaços fora da propriedade e acesso às políticas públicas; equidade de gênero e protagonismo das mulheres; e o protagonismo da juventude, que garante a sucessão familiar no trabalho.

“Houve melhorias em diversos aspectos, entre eles o ambiental, com o uso mais consciente da terra, sem queimada, desmatamento e com preservação da mata nativa; o econômico, com incentivo à geração de riqueza a partir dos insumos presentes nas propriedades, e aumento do valor agregado dos produtos; e por fim, o aspecto social, com a maior integração social entre as famílias, destacando a intensa participação das mulheres e dos jovens nesse processo de transição agroecológica”, ressalta Dalcilene Paiva, zootecnista que também atuou como bolsista no projeto.

Agencia Eco Nordeste-Alice Sales