Tecnologia Social garante saneamento, reúso, acesso e melhoria da qualidade da água no Semiárido

O Brasil é o país que reúne em seu território o maior volume de água doce do Planeta. Apesar disso, quase 100 milhões de seus habitantes sofrem as graves consequências de conviver com a falta de acesso à água ou em situações de insegurança e risco hídrico. São muitos os indicativos ambientais, climáticos, políticos e sociais que denunciam esses impactos, que pesam mais sobre mulheres, pessoas racializadas, territórios periféricos e rurais. Com o objetivo de contribuir para reverter essa situação a ActionAid lançou o Fundo Água, projeto aberto à contribuição da sociedade, voltado à implementação de Tecnologias Sociais de saneamento, reúso, acesso e melhoria da qualidade da água.

A reportagem de Alice Sales, Agência Eco Nordeste, destaca que João Miguel Moraes tem 8 anos e vive na comunidade de Vila Campos, em Canindé, no sertão do Ceará. Criado com a ajuda de sua avó, dona Cléia Paulino, Miguel é uma das crianças de sua comunidade que foi beneficiada pelas ações do Fundo Água. Na localidade onde vive com sua família, o acesso à água é bastante limitado. O recurso hídrico que chega até sua casa vem de um poço profundo que há nas proximidades e que sozinho abastece mais de 90 famílias. Já a água para beber vem da chuva e é armazenada em uma cisterna de placas durante todo o ano.

“A água que vem encanada do poço serve para lavar louça e tomar banho. No último inverno fizemos um cacimbão dentro do rio que às vezes socorre a gente. Mas quando o motor do poço quebra e falta água, precisamos ir até lá para buscar a água e às vezes levar a louça e a roupa até o cacimbão”, ressalta dona Cléia.

Recentemente, no mesmo quintal onde brinca Miguel, foi instalado um Sistema Bioágua, tecnologia de reúso de águas cinzas que contribui para o saneamento e para a economia da água. Graças a essa iniciativa do Fundo Água, com o apoio técnico do Centro de Pesquisa e Assessoria (Esplar), agora dona Cléia, que tanto gosta de cuidar de plantas, pode ter sua própria horta e fruteiras no quintal, que serão regadas com a água do reúso. Essa mesma água também serve para limpar a casa.

“Já plantei cheiro verde, tomates, pimentas, alface, limão, acerola, goiaba. Tudo uma maravilha! Miguel ajuda a pôr adubo, gosta de tirar fotos das plantas, adora estar pelo meio. Ele também gosta de comer as coisas que plantamos, tem um ótimo apetite”, conta.

A família de Sara Gomes, 8 anos, que também vive na Comunidade Vila Campos, foi beneficiada pela mesma tecnologia. Um dos pontos que sua mãe, dona Terezinha Gomes, comemora é o fato de que o Bioágua solucionou o problema da lama que vinha dos canos das pias de sua casa e que se acumulava no quintal. Com isso, foi possível tornar o espaço  mais agradável e evitar a proliferação de mosquitos e doenças.

Ao todo mais de 500 pessoas de sete estados do Semiárido brasileiro, foram beneficiadas pela mesma iniciativa que contemplou as famílias de Sara e Miguel. As doações para o Fundo Água (de pessoas, empresas ou organizações) apoiam o desenvolvimento e a implementação tanto de tecnologias sociais já mundialmente reconhecidas, como as cisternas, quanto de iniciativas inovadoras desenvolvidas pelas próprias comunidades beneficiadas. Nessa primeira fase foram ao menos sete variedades de tecnologias sociais implementadas. O projeto engloba também a capacitação técnica para manejo sustentável da água e dos equipamentos.

Fundo Água-O Fundo Água é uma iniciativa da campanha de doações Água é Vida, lançada em 2022, após o Brasil enfrentar uma das piores crises hídricas dos últimos 90 anos. Naquele momento, a organização lançou também nota técnica em que destrinchou o caráter multifatorial da crise, e apontou um conjunto de soluções sociais, políticas e coletivas.

“Essas tecnologias são fortes aliadas para a superação da pobreza e da fome, mas também importantes instrumentos de enfrentamento ao racismo ambiental e às crises climáticas. São iniciativas acessíveis e sustentáveis caso tenham investimento público e privado adequados, e que podem ser aplicadas em escolas, hortas comunitárias, ou em qualquer espaço individual ou mesmo coletivo. São pensadas, criadas e manuseadas especialmente pelas mulheres de cada localidade, que sabem melhor do que ninguém quais soluções são mais eficazes para o lugar onde vivem”, afirma Junior Aleixo, especialista de Justiça Climática da ActionAid, que defende a descentralização dessas soluções como um aspecto importante para que o acesso à água seja, definitivamente, justo e igualitário, além de sustentável.

O especialista pontua ainda algumas das razões que se colocam no caminho do acesso justo e igualitário à água:

“O desmatamento é um gatilho indiscutível nesse processo. Segundo o Map Biomas, de 1985 a 2019, o Brasil perdeu cerca de 87,2 milhões de hectares em áreas de vegetação nativa, o que equivale a 10,25% do território nacional. Isso afeta terrivelmente a maneira como o país recebe os regimes pluviais. E aí entram outros atores e fatores, que vão desde o modelo agroexportador vigente, que não só gasta muita água como também a contamina, até mesmo a falta de planejamento e a privatização dos recursos hídricos. O Novo Marco do Saneamento Básico, por exemplo, foi um desmonte dos sistemas públicos de águas, nos distanciando ainda mais da universalização do acesso”.

Para Julia Barbosa, especialista em Parcerias Institucionais e Filantropia da ActionAid, as histórias como a da família de Miguel reforçam a eficiência do investimento em Tecnologias Sociais, sobretudo pelo protagonismo de quem vive nos territórios. Ela reforça a importância da contribuição da sociedade para essas iniciativas, uma vez que se tornam importantes aliadas ou mesmo inspirações para as políticas de larga escala.

“Abrir o Fundo Água para contribuição de doadores, não só individuais, como empresas e demais organizações, é uma forma de envolver todas e todos nessa transformação mais que necessária, urgente ”, finaliza.

Agencia Eco Nordeste Foto Adriana Pimentel