Amazonas: Governo rescindiu contratos antes de queda de pontes e disse a MPF que cuidava do trecho

O Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) rescindiu contratos de manutenção da BR-319 26 dias antes da queda de uma ponte na rodovia e, mesmo assim, afiançou ao MPF (Ministério Público Federal) que os serviços estavam garantidos no trecho.

O órgão, vinculado ao Ministério da Infraestrutura, omitiu do MPF problemas na execução dos contratos.

Em julho, o MPF no Amazonas cobrou do Dnit informações sobre obras emergenciais na BR-319, que sofre com erosões frequentes em razão da cheia dos rios. Naquele mês, o Dnit disse que os pontos críticos estavam sendo recuperados e que, mesmo com o término do contrato emergencial, outros dois contratos de manutenção garantiriam os serviços.

A mesma posição foi reiterada num ofício de 8 de setembro. "Os serviços serão finalizados através dos contratos de manutenção/conservação rodoviária", afirmou o órgão do governo federal.
Naquele momento, dois contratos de manutenção, no valor de R$ 95 milhões, já haviam sido rescindidos pelo Dnit, de forma unilateral, por falta de execução dos serviços. Essas rescisões ocorreram em 2 de setembro. A informação foi omitida no ofício ao MPF.

Uma nova empresa só foi contratada para serviços de manutenção do trecho da BR-319 em 21 de setembro, 19 dias depois das rescisões, como mostram os extratos dos contratos publicados no Diário Oficial da União.

Em 28 de setembro, no trecho referente a um dos contratos, ruiu a primeira ponte. Quatro pessoas morreram, 14 se feriram e uma ficou desaparecida. O desabamento se deu no km 23 da BR-319. A ponte ficava sob o rio Curuçá. A cidade mais próxima é Careiro (AM).

No último dia 8, desabou uma segunda ponte, sobre o rio Autaz Mirim. A distância entre as duas é de dois quilômetros.

Tanto o contrato para recuperação de erosões quanto os contratos para manutenção do trecho da rodovia eram executados pela empresa A G O Engenharia de Obras, sediada em Medianeira (PR). O primeiro serviço, no valor de R$ 33,8 milhões, foi contratado pelo Dnit sem licitação.


Ao todo, a empresa teve sete contratos rescindidos pelo órgão em setembro e outubro, no valor de R$ 279,5 milhões. Todos eles foram assinados no governo Jair Bolsonaro (PL).

A empresa já recebeu R$ 90,4 milhões do governo federal, segundo dados do portal da transparência. Mais da metade foi no governo Bolsonaro.

Nesta quinta (13), cinco dias após o desabamento da segunda ponte, o Dnit decidiu punir a A G O, em razão de descumprimento do contrato de manutenção do trecho da BR-319. O órgão do governo federal aplicou uma multa de R$ 971,1 mil e impediu a empresa de novas licitações e contratos por um ano.

Em nota, o Dnit afirmou que os contratos de manutenção foram rescindidos por baixo desempenho da empresa, o que se configurou falta de execução contratual. Houve substituição de empresas no mesmo processo de licitação, com o mesmo escopo de serviços e continuidade das obras, segundo o órgão. "O Dnit cumpriu regularmente com suas atribuições", disse.

No caso da dispensa de licitação, para reparação emergencial de erosões, a A G O foi escolhida porque ofertou um menor valor e já detinha outros contratos na região, conforme o Dnit.

"A rescisão foi motivada por baixo desempenho e falha na prestação dos serviços por parte daquela empresa, o que se observou em diversos contratos, retratando um problema de capacidade operacional da contratada, tendo em vista que apresentou, em contratos distintos localizados em rodovias diferentes, o mesmo desempenho insuficiente", cita a nota.

O objeto dos contratos de conservação rodoviária assinados com a A G O não tem relação com serviços na estrutura das pontes, de acordo com o Dnit. "Não existe qualquer relação entre a punição e os incidentes citados."

A A G O também negou qualquer responsabilidade pelo desabamento das pontes. Em nota, a empresa disse que as contratações seguiram as leis e que, no caso dos serviços emergenciais contra as erosões, as obras se deram nas laterais da rodovia.

A manutenção de pontes era responsabilidade de outra empresa, conforme a A G O, dentro de um programa específico do Dnit.

A empresa disse ainda que o órgão federal fez menção ao empreendimento que a substituiu, quando citou, após o desabamento da primeira ponte, a necessidade de manutenção do trecho e convocação da contratada para os serviços.

"A A G O é empresa regularmente constituída, de consagrada atuação profissional no mercado da construção civil há mais de 20 anos", disse. A empresa afirmou ainda que apresentou ao Dnit contestação da penalidade de multa e impedimento de novos contratos.

Na terça (11), a Folha mostrou que o Dnit sabia, há mais de nove meses, que o trecho da BR-319 estava em "situação calamitosa", com "riscos iminentes" aos motoristas e em situação de emergência. Mesmo assim, o órgão e o Ministério da Infraestrutura não agiram o suficiente para evitar a queda de duas pontes no trecho num intervalo de menos de duas semanas.

Foi a partir da declaração de emergência que o órgão federal dispensou licitação para contratação da A G O Engenharia, para reparação de erosões.

Com a queda das pontes, cerca de 100 mil pessoas ficaram em condições de isolamento. O Governo do Amazonas decretou situação de emergência para os municípios de Careiro, Careiro da Várzea e Manaquiri. Existia o risco de desabastecimento e até mesmo de falta de energia.

O MPF, que já investigava as condições da rodovia num inquérito, ampliou a apuração para tentar descobrir os responsáveis pelos desabamentos.

Um ofício foi enviado ao Dnit para que o órgão explique a realização de obras na primeira ponte que desabou. Os procuradores da República cobraram do órgão informação sobre finalização do contrato com a A G O e se houve conclusão integral das obras previstas para recuperação de erosões.

O órgão vinculado ao Ministério da Infraestrutura também deve informar se houve identificação de risco de desabamento da ponte, quais providências teriam sido adotadas e o que vem sendo feito a respeito depois do desabamento.

O Dnit pediu mais tempo para responder ao MPF, o que foi aceito. O órgão tem mais dez dias, contados a partir do último dia 7, para apresentar as explicações.

Correio Braziliense Foto redes sociais