Exclusão escolar durante a pandemia afetou, principalmente, a educação de base

Mais de 5 milhões de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos não tiveram acesso à educação no País em novembro de 2020, segundo o estudo Exclusão Escolar no Brasil, realizado pela Unicef em parceria com o Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária).

Desses, mais de 40% eram crianças de 6 a 10 anos, as quais a escolarização era praticamente universalizada antes do início da pandemia.

Ainda que a pandemia aponte um agravo nos números da alfabetização no País, dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, do IBGE, realizada em 2019, antes mesmo do início da pandemia, mostram que havia no Brasil 11 milhões de analfabetos. O principal problema são os alunos que avançam os anos escolares sem dominar o básico da língua. “Esses atrasos, acumulados, vão impactar em diferentes anos escolares, até porque aqueles que eventualmente tinham uma alfabetização precária podem regredir nesse processo”, explica o professor José Marcelino de Rezende Pinto, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.

Os impactos e as consequências da paralisação das escolas durante a pandemia ainda são motivo de estudo. Porém, mesmo com a crise da covid-19, a volta dos estudantes ao ambiente escolar é uma realidade e traz à tona a discussão sobre a qualidade do ensino, a formação dos docentes e o orçamento destinado à educação. 

A qualidade de ensino passa pelos modelos de educação considerados prontos, que muitas vezes são realizados por profissionais fora da área, sem conhecimento especializado. “A gente tem o livro da Diane Ravitch, que analisa o sistema americano de ensino e mostra como essa tentativa de impor modelos como bônus e outras táticas similares só gera disfunções”, explica Rezende Pinto.

Peça fundamental na formação dos alunos é, sem dúvida, o professor que deve estar inserido nas pesquisas da área. “Temos que entender que educação é uma atividade artesanal, é uma atividade que depende muito do professor. Há um certo consenso nas pesquisas dos Estados Unidos e do mundo de que o professor faz a diferença”, diz Rezende Pinto. 

No Brasil, existe como um eixo a formação do professor como pesquisador, o que auxilia o docente a identificar problemas dentro da sala de aula. “Esse professor, na sua atuação profissional em sala de aula, esteja atento como um bom pesquisador para ver as dificuldades, essa é a questão mais importante”, menciona Rezende Pinto.

Sendo os professores um dos pilares da educação, é necessário estruturar suas carreiras para serem atrativas. Em números, o Brasil possui quantidade suficiente de profissionais nas diferentes áreas do ensino, porém ainda temos professores trabalhando em áreas que não são sua especialidade. Isso se dá pela baixa remuneração dos docentes, fazendo com que eles tenham cargas horárias de mais de 40, 50 horas semanais para poderem alcançar uma remuneração adequada.

Fazendo um comparativo com outras profissões, pode-se observar a disparidade de salários de profissionais com o mesmo grau de formação. “Um professor no Brasil hoje ganha metade do que ganha um economista com o mesmo nível de formação, um terço do que ganha um advogado, um quinto do que ganha um médico”, diz Rezende Pinto.

O analfabetismo científico, diz o professor, também é um dos problemas enfrentados na universidade, alunos ingressos não possuem nível de aprendizado suficiente para acompanhar as disciplinas. Em comparação com sistemas educacionais vigentes na Europa, a qualidade do ensino brasileiro ainda precisa de melhoras especialmente em relação ao nível de formação exigido dos professores e a quantidade de alunos por sala.

No Brasil, o gasto por aluno ainda está abaixo dos países desenvolvidos, segundo documento oficial da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). “O gasto-aluno na média dos países desenvolvidos, quando você coloca em dólar de paridade, é três vezes o valor do Brasil. A Coreia do Sul, que é sempre dada como exemplo, gasta por aluno já em torno de quase quatro vezes o gasto por aluno no Brasil”, diz Rezende Pinto.

O professor Rezende Pinto também chama atenção para a rede estadual paulista. “Deve ser a maior rede pública de ensino do Brasil na educação básica, são 3 milhões e meio de estudantes e metade dos professores são temporários, têm contratos precários e lecionam nas escolas exatamente onde estão as crianças que mais precisam de uma educação de qualidade, na periferia das grandes cidades e na zona rural onde as crianças precisariam de um professor experiente e bem formado”, diz o professor.

Em nota, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) afirma que “o Estado foi o primeiro do Brasil a ter a liberação do Conselho Estadual de Educação para implementar as aulas remotas, viabilizado pelo Centro de Mídias da Educação (CMSP)”. Ainda segundo a nota, “durante a fase emergencial do Plano SP para o enfrentamento da pandemia, as escolas abriram só para os estudantes mais vulneráveis, de acordo com o CadÚnico. E, na fase vermelha, as escolas podiam receber 35% dos alunos. De todo modo, ocorreram as recuperações de janeiro e de julho de forma presencial – sendo a presença facultativa em janeiro”.

Com relação à valorização dos professores, a Seduc informa que “a Nova Carreira Docente, instituída em março de 2022, por meio da Lei Complementar nº 1.374, define o salário inicial de R$ 5 mil, em jornadas de 40 horas, para professores da rede estadual”.

O modelo, segundo explica a nota, “possibilita acréscimos de 5% a 10% para mestres e doutores; evolução na carreira mais célere, com interstícios de apenas dois anos; possibilidade de levar o tempo de interstício de evolução da carreira atual para a nova carreira e acelerar a progressão; evolução por desempenho e desenvolvimento, entre outras inovações”. Conclui dizendo que o professor tem a opção de não migrar para a nova carreira docente.

Jornal da USP Foto Ilustrativa agencia Brasil