Manter data do Enem pode dificultar acesso de jovens mais carentes, dizem especialistas

Sem o adiamento do Enem, os estudantes mais pobres temem não estar preparados para as provas. Quase metade deles não tem computador em casa para acompanhar aulas na internet.

As provas do Enem estão marcadas para novembro, mas universidades e alunos pedem o adiamento. Com a pandemia, as aulas estão acontecendo online e o conteúdo não chega para todo mundo.

“Na minha localidade não tem Wi-Fi, então, quando tento entrar em qualquer site para saber os conteúdos, eu não consigo, não carrega”, conta a estudante Carolyne Martins.

Ela faz parte de um grupo de alunos que não tem computador em casa e que precisa usar o telefone celular para estudar. “Minha maior dificuldade para estudar nessa quarentena está sendo o tamanho das letrinhas, porque me confunde muito e no celular eu recebo muita notificação”, conrou a estudante Laís Barbalho da Silva.

Além da dificuldade de acompanhar as aulas, Laís também não sabe até quando vai ter acesso à internet. “Eu só tenho um celular, por enquanto ainda tenho Wi-Fi, mas minha mãe ainda não recebeu o auxílio então está um pouco difícil para a gente para poder ainda manter a internet em casa”, explicou.

A Ana Beatriz Souza usa o telefone da mãe para estudar, mas nem sempre é possível. “Tem semana que minha mãe consegue botar o crédito para eu conseguir acessar, porque você precisa ter internet lá, eles passam atividades, mas tem semanas que estou sem internet, sem crédito, não tenho dinheiro para colocar e fico sem acessar”, contou.

Mais de 2,3 milhões de candidatos do Enem não têm computador em casa. A maioria frequenta escolas públicas e vive em estados do Norte e Nordeste. Eles não têm computador e, por isso, temem não conseguir uma vaga em universidades públicas.

É o que mostra uma pesquisa feita pela Casa Fluminense, uma organização que estuda a vida urbana nas periferias para desenvolver ações de igualdade. De acordo com o estudo, o estado com maior número de alunos sem acesso ao computador é o Maranhão.

“A gente tem um cenário de alunos que precisa compartilhar o seu quarto, o seu ambiente, não tem um ambiente silencioso para estudar, estão fazendo leituras e atividades escolares através de celulares com toda limitação que isso impõe e outras atividades necessárias para a sobrevivência, que ficam ainda mais desafiadores nesse ambiente de isolamento social”, avaliou a antropóloga Yasmim Monteiro, da Casa Fluminense.

Para Cláudia Costin, especialista em educação, manter a data do Enem pode dificultar ainda mais o acesso dos mais pobres às universidades. “Não é só a questão do online. É mais do que a questão do online. Aí eles saem perdendo a frente dos alunos que vivem numa casa com livros, com pais que discutem os temas da atualidade, com computadores que não são compartilhados. Estamos limitando o acesso à universidade para as famílias, para os jovens de meios mais vulneráveis”, explicou.

Jornal Nacional