ESPAÇO DO LEITOR: Carta a Ariosvaldo

Os devaneios de alguns amigos com a possível vitória do ex-militar têm me deixado confuso. É um misto de sorriso incrédulo e uma boquiaberta lembrança do que já vivi ao lado de alguns deles. Refiro-me, principalmente, àqueles que parecem guardar algo perdido em suas memórias juvenis. E aí, uma juvenil imagem me veio à mente nessa primeira manhã de outubro. 

Era verão, um janeiro que começava trazendo dúvidas sobre um futuro inteiro que eu nem sabia por onde começar. Em meio às indefinições, uma certeza: precisava cumprir meu dever junto ao serviço militar. Assim o fiz. Servir ao exército ainda não fazia parte dos meus planos, entraria para a faculdade, seguiria minha vida de civil, adquirir a reservista seria o primeiro passo. 


Mas a seleção para conscritos foi marchando ao meu encontro e naquele quartel, entre dramas e comédias, muita coisa aconteceu. Novas experiências, novos amigos, reencontros com velhos conhecidos e aquela sensação de que estava perto de escapar dali. Havia bastante gente que demonstrava total convicção de que aquele era o futuro ideal, pelo menos até o meio dessa semana de adaptação à qual refiro-me agora. 

Jovens de tudo que é jeito, poucas pessoas de famílias tradicionais da cidade, muitos outros vindo de lugares remotos, com expectativas de que aquela oportunidade pudesse ser seu passaporte pra vida digna. Parecia simples, era só dizer sim à pergunta que o tenente repetia a cada "guerreiro", como um psicólogo que testava seus pacientes: - Fala, guerreiro. Quer servir?

Havia entre eles, o Ariosvaldo. O nome era outro, aqui vai ser Ariosvaldo. O dono do vibrante "sim", era um rapaz alto, moreno de peito arfante, que contava vantagens e se divertia com outros candidatos a milico, desdenhando dos medrosos que se recusavam a entrar para o mundo verde-oliva. Eu pensava: caramba, como esse cara está decidido, o exército foi feito pra ele. Ele era Brasil acima de tudo. 

É... mas, depois de uma semana de sentado-um-dois-de-pé-um-dois, as coisas mudaram. Ariosvaldo não aguentou a pressão dos Severianos e Liberatos. Era preciso impor respeito, ter noção de hierarquia e ao saber que seu direito era não ter direito, nem reclamar do direito que tem, o intenso da luta se abateu como se houvesse recebido um injusto pernoite. 

De cabeça baixa, Ariosvaldo pediu pra sair de forma e foi ter um "pé-de-orelha" com o baixinho. Sargento Francisco, cearense recém chegado, voltou do cochichado e balançando a cabeça, foi logo dizendo: nem começou ainda e o cabra já tá chorando, o que danado esse elemento veio fazer aqui dentro? 

Daí, lembro-me do Ariosvaldo. É pena que não nos seja dada a chance de uma semana de experiência para que pudéssemos aceitar a realidade, para evitar que só depois soubéssemos o que realmente estava por vir. Pobre Ariosvaldo...

Samuel Morais - Fotógrafo