Agrotóxicos: Riscos não se restringem aos trabalhadores rurais e chegam também aos consumidores brasileiros

Franciana Rodrigues, então estava grávida de 5 meses, saiu de casa na motocicleta do irmão. Enquanto se afastava de sua comunidade, cercada por duas grandes fazendas de soja, um avião pulverizou uma substância que a atingiu. No mesmo instante, suas pernas começaram a doer e vieram enjoo e tontura. Franciana foi levada para um hospital local e exames de sangue revelaram o envenenamento por agrotóxicos.

Transferida às pressas para um segundo hospital, a 5 horas de distância de Araguaína (TO), onde vive, ficou sete dias internada. “Eu não conseguia respirar, quase morri”, recorda. Na época, o médico advertiu que ela tinha pressão alta, sofria de infecção nos rins e que o parto precisaria ser por cesariana devido à falta de ar de Franciana. “Se eu não estivesse usando um capacete, teria sido meu fim”.

O proprietário da terra em que os pesticidas foram pulverizados visitou Franciana logo depois que ela chegou do hospital e se ofereceu para pagar as despesas médicas e custos com alimentação durante os meses que antecederam o nascimento do bebê. Em troca, pediu silêncio.

A ameaça à saúde e ao meio ambiente que essas substâncias representam não estão restritos ao Brasil. Os alimentos que recebem os defensivos são exportados para o mundo todo. A soja brasileira, cítricos, uva e café são consumidos em grande escala na UE e nos Estados Unidos, enquanto que a soja brasileira alimenta a pecuária e a avicultura no Brasil e em diversos países.

O Brasil é hoje um dos consumidores mais vorazes de agrotóxicos do mundo, perdendo apenas para os EUA, e é o maior usuário entre os países em desenvolvimento, com gastos que chegam a 9,6 bilhões de dólares por ano. O perigo não coloca em risco apenas trabalhadores agrícolas e populações que vivem nas regiões pulverizadas: muitos agrotóxicos permanecem no meio ambiente e nos alimentos consumidos.

Existem hoje 150 substâncias autorizadas para uso no Brasil apenas na cultura da soja, 35 deles proibidos na Europa, segundo a professora da Universidade de São Paulo (USP), Larissa Bombardi. Entre os considerados mais perigosos e amplamente utilizados nas fazendas brasileiras estão acefato, atrazina, carbendazim e lactofen - todos proibidas na Europa.

Silvia Fagnani, diretora executiva do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg),  grupo a favor dos agrotóxicos, defende as diferenças entre as regulamentações da UE e brasileira. Para ela, “os produtos usados aqui podem não ser necessários em países com inverno rigoroso - frequentemente com neve - que reduz naturalmente as pragas e seus danos”.

Por esse motivo, os resultados da Anvisa em relação aos resíduos em alimentos levantam sérias preocupações com relação aos produtos brasileiros vendidos e consumidos no exterior. Essa é uma questão em particular que a China talvez queira questionar, já que avalia mudar suas principais compras de soja e carne bovina dos EUA para o Brasil devido à guerra comercial entre os países.

No ano passado, o Comitê de Especialistas do Reino Unido sobre Resíduos de Pesticidas em Alimentos (Prif, na sigla em inglês), um órgão independente que presta assessoria ao governo, encontrou carbofuran  acima do limite legal em limões importados do Brasil.

O relatório do Prif indicou que, se todo o fruto contaminado fosse consumido, “as pessoas poderiam apresentar sinais transitórios de toxicidade colinérgica, como dor de cabeça, distúrbios do estômago, salivação e resposta reduzida da pupila”.

O carbofuran é proibido no Reino Unido desde 2001 e banido nos EUA há quase uma década por apresentar “um risco alimentar inaceitável, especialmente para as crianças, de consumir uma combinação de alimentos e água com resíduos”. Ele só foi proibido no Brasil no segundo semestre do ano passado, daí sua recente aparição nos limões no Reino Unido.

“É um duplo padrão que a União Europeia está satisfeita em importar produtos que são cultivados com pesticidas que foram considerados inseguros para uso na UE, como resultado de preocupações com a saúde humana ou danos ambientais”, afirma Nick Mole, diretor de política da Pesticide Action Network do Reino Unido.

Carta Capital-Anna Sophie Gross Foto: Agencia Brasil