A volta às aulas é indispensável, mas deve ser feita com cautela e preparo. É necessário garantir a vacinação dos professores e o distanciamento na sala de aula. Além disso, o retorno dos alunos deve ser progressivo, a higienização deve ser adequada nas escolas e deve haver, principalmente, rastreio dos casos confirmados de Covid-19.
Essa é a avaliação do médico epidemiologista André Ricardo Ribas Freitas, professor da Faculdade de Medicina São Leopoldo Mandic.
Mesmo diante da chegada da variante delta, que é mais transmissível que as anteriores, governos dos estados por todo o país anunciaram a volta às aulas.
Em São Paulo, o governador João Doria retirou o limite de 35% de alunos nas instituições públicas e particulares do ensino básico, e a partir de agosto as escolas poderão receber os estudantes de acordo com o espaço físico, desde que respeitem o distanciamento de 1 m.
Freitas diz que o aumento progressivo de alunos é o ideal. O ponto mais importante e que até o momento não foi implementado pelas autoridades sanitárias, porém, é o rastreio de casos confirmados.
"O que é o rastreamento? É tentar identificar todas as pessoas que tiveram contato próximo com pacientes que tiveram Covid para colocar em isolamento. Isso é fundamental para controlar a doença em uma situação em que as crianças não estarão vacinadas", afirma.
PERGUNTA - Com a chegada da variante delta, é o momento certo para a volta às aulas?
ANDRÉ RICARDO RIBAS FREITAS - Nós estamos demorando muito para o retorno às aulas. A lógica que a maior parte dos países tem adotado é exatamente a inversa, a educação é a última a fechar e a primeira a voltar. Estudos têm demonstrado que a importância das crianças na cadeia de transmissão é pequena, e a gravidade nas crianças é menor do que nos adultos.
Eu acho que o esforço da vigilância e da saúde pública deveria ser de garantir o retorno das aulas o mais rápido possível. O retorno tem que ser progressivo, com as medidas de segurança e com uma vigilância cuidadosa.
Existe uma preocupação de que a volta às aulas aumente o número de casos de Covid-19. O que deve ser feito para que isso não aconteça?
ARRF - A grande questão é fazer uma volta responsável. Garantir a vacinação dos professores, uso de máscaras eficazes, distanciamento na sala de aula com um número menor de alunos e aumentar a capacidade de forma devagar. Deve-se aumentar progressivamente o número de alunos para ir avaliando, fazer higienização adequada das superfícies, tomar cuidado na hora do lanche e principalmente fazer o rastreamento. Também é preciso orientar adequadamente os pais para que, se alguém na família ficar doente, as crianças não sejam mandadas para a escola.
O Brasil é um dos poucos países minimamente desenvolvidos que não faz nenhuma ação de rastreamento. O que é o rastreamento? É tentar identificar todas as pessoas que tiveram contato próximo com pacientes que tiveram a Covid para colocar em isolamento. Isso é fundamental para controlar a doença em uma situação em que as crianças não estarão vacinadas.
Além disso, deve ser feito uso inteligente de testes, principalmente o teste de antígeno, que é um exame muito preciso e é feito na hora, não precisa nem de um profissional de saúde, poderia até ser aplicado pelas próprias equipes das unidades da escola.
A outra coisa é o uso obrigatório de máscaras. Acho que, se for em ambientes fechados, deve-se utilizar a N95 [equivalente à PFF2], uma vez que as linhagens que estão surgindo agora são mais transmissíveis.
Desde o início da pandemia, algumas dessas medidas não foram implementadas no Brasil. A implementação dessas medidas é uma condicional para que as aulas sejam retomadas e o número de casos não aumente?
ARRF - Mesmo com as medidas pode haver algum surto, mas isso não deve desestimular o retorno às aulas, porque é muito importante que elas voltem. O objetivo maior é esse. Eventualmente pode ter um surto? Pode, mas temos que lidar com ele. Devem suspender as aulas da sala em que ocorreu o surto, identificar qual a extensão dele e continuar o trabalho junto às crianças.
Agora, quanto à estrutura, as escolas devem providenciar. Não podemos trabalhar com a hipótese de que "não temos estrutura, então não vamos voltar".
Outro argumento para a retomada é o avanço da vacinação entre os professores, mas muitos estão apenas com a primeira dose. Esse não é um fator de risco?
ARRF - A estratégia correta seria ter imunizado os professores na primeira leva, como prioridade. São essenciais, temos que tratar a educação como item essencial. Seu contato com crianças é bastante prolongado, embora as crianças não tenham uma importância tão grande na cadeia de transmissão. Mas, de qualquer forma, eles são prioridade. Então, é complicado o retorno sem a vacinação, mas existem estratégias para a vacinação deles.
A vacinação com a Coronavac é mais rápida do que com a AstraZeneca e a Pfizer. A Janssen é dose única. Existem estratégias para acelerar essa imunização. Mas é importante que estejam imunizados, sim.
Algumas cidades confirmaram a circulação da variante delta, como São Paulo e Rio de Janeiro. Esses locais deveriam ter um posicionamento diferente em relação à flexibilização das medidas de restrição e da volta às aulas?
ARRF - A delta é uma variante que tem uma capacidade muito rápida de transmissão. Todos os estudos têm demonstrado que ela é muito mais transmissível. O que se espera é que a delta, por ser mais transmissível, passe a predominar [sobre as outras variantes]. Deveria se fazer um esforço para manter a vacinação e então aguardar para entender qual vai ser a consequência inicial da introdução da delta, e não flexibilizar. Algumas semanas podem fazer bastante diferença para conhecer melhor como vai ser o comportamento da delta nas condições brasileiras: na presença da p.1 [gama] e em uma situação em que a maior parte da população não está vacinada.
Já as aulas eu acho que não devem ser misturadas com o restante das atividades. Elas deveriam ter sido retomadas no segundo semestre do ano passado, na minha avaliação. Nós estamos colocando nossas crianças em uma situação de atraso educacional muito grande. O maior problema não é a volta às aulas, é flexibilizar outros tipos de atividades como bares, restaurantes e eventos esportivos.
André Ricardo Ribas Freitas, 50 anos. Médico epidemiologista, é mestre em clínica médica e doutor em epidemiologia. É professor de epidemiologia e bioestatística na Faculdade de Medicina São Leopoldo Mandic de Campinas e coordenador do HubCovid.
FolhaPress
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