Governo Federal pretende editar medida provisória alterando o Programa Mais Médicos e reincorporando cubanos

O governo federal pretende editar em agosto uma medida provisória alterando o Programa Mais Médicos e reincorporando profissionais cubanos. Eles tiveram de sair do programa com o rompimento do acordo de colaboração entre Brasil e Cuba, mas a ideia é que voltem a trabalhar na atenção básica do Sistema Único de Saúde (SUS) por um período de dois anos. Terminado esse prazo, precisarão revalidar o diploma.

A estimativa é de que 2 mil dos 8 mil profissionais que vieram para o Brasil permaneceram aqui depois do fim do acordo, muitos na esperança de serem readmitidos no SUS. Cerca de 700 médicos têm a situação regularizada, porque se casaram com brasileiros. Somente os cubanos que trabalharam no Mais Médicos e permaneceram no País teriam direito à reincorporação, por meio de um credenciamento.

O esboço da nova proposta deverá ser apresentado a parlamentares esta semana. O cronograma prevê também conversas com secretários estaduais e municipais de Saúde. A meta é ter um projeto bem definido, que não dê margem a desgastes e tenha uma tramitação rápida no Congresso Nacional.

Embora boa parte da proposta já esteja alinhavada, há ainda alguns pontos a ser definidos. Entre eles está o novo nome do programa. A avaliação no governo é de que o Mais Médicos se transformou em uma marca do governo de Dilma Rousseff. 

A iniciativa foi lançada em 2013, como uma resposta às manifestações de rua daquele ano e também a reivindicações feitas por prefeitos. Eles reclamavam da dificuldade em manter profissionais atuando em regiões distantes.

Além da garantia do posto preenchido, o programa trazia outro benefício para os gestores: o alívio orçamentário. Os salários dos profissionais eram pagos integralmente pelo governo federal. Cabia às prefeituras arcar com as despesas de moradia e alimentação do profissional. O rompimento do acordo de cooperação, em novembro, foi uma iniciativa de Cuba, mas em resposta às críticas feitas pelo então presidente eleito Jair Bolsonaro. O presidente chegou a comparar os profissionais que vinham atuar no País a escravos. No programa de governo apresentado durante as eleições, o então candidato afirmava que encontraria uma solução para os profissionais, a quem chamou de “irmãos.”

O acordo de colaboração era feito em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Pelo estabelecido, o pagamento dos profissionais era entregue ao governo de Cuba, que repassava uma parte para os profissionais. A explicação, na época, era de que o pagamento ficava retido na ilha para financiar os benefícios concedidos aos profissionais.

Com o fim do acordo de colaboração, anunciado em novembro, várias tentativas foram feitas para preenchimento das vagas com médicos brasileiros formados no Brasil e, em outra etapa, com brasileiros formados no exterior. Mas prefeitos e governadores admitem que vazios assistenciais persistem. Médicos respondem aos editais, até se mudam para as cidades escolhidas, mas após um curto período desistem do posto, em troca de pontos mais próximos dos centros urbanos.

Carreira. Para tentar atrair o interesse de médicos brasileiros, o novo programa deverá ser associado a um curso de formação. Todos os profissionais terão de fazer provas periódicas. Ao fim do contrato, eles terão um título de especialista em médico de família e comunidade. A ideia é criar uma carreira para os profissionais brasileiros formados no Brasil ou no exterior. Ao ingressar no programa, eles iriam para regiões mais remotas. E, para garantir a permanência, receberiam uma gratificação. Com o passar do tempo, teriam a possibilidade de ir para regiões mais próximas dos centros urbanos.

A reformulação também deverá trazer mudanças na proporção do programa. Desde que assumiu o cargo de ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta diz que a iniciativa tem dimensões muito maiores do que a real necessidade. O ministro tem afirmado que, embora projetado para trazer profissionais para áreas carentes, o Mais Médicos se estabeleceu também em capitais. Diante dessa avaliação, as reposições de vagas foram feitas de forma controlada. E várias regiões metropolitanas ficaram sem profissionais substitutos.

Essa ideia, no entanto, pode ser revista e vagas serem novamente preenchidas onde há bolsões de pobreza, independentemente de a região ser central ou afastada. Os critérios para preenchimento ficariam, assim, mais próximos daqueles usados quando o programa foi lançado. Pelos cálculos de técnicos do ministério, ouvidos pelo Estado, com o novo parâmetro, cerca de 3,6 mil municípios receberiam profissionais.

A possibilidade de reintegração é festejada pelos cubanos. “É nosso sonho. Queremos trabalhar, voltar a atender a população”, afirmou a médica Niurka Valdes. Há alguns meses, os profissionais se uniram numa associação para lutar pela volta ao programa. Hoje, são 1.869 na chamada Aspromed. Como o Estado mostrou em reportagem em abril, muitos sobrevivem na informalidade, fazendo bicos em lojas, vendendo alimentos em barracas de rua. Niurka teve sorte e faz tarefas burocráticas em um hospital em Cidade Ocidental, a cerca de uma hora e meia de Brasília.

O fato de a proposta ser de reincorporação temporária não retira o entusiasmo do grupo. “Uma vez concretizada a proposta, podemos contratar um curso preparatório para o Revalida para todos os cubanos”, planeja a médica. “Vamos investir. Não queremos fugir do Revalida”, assegura. O grupo há meses aguarda socorro do governo brasileiro. Quando Cuba anunciou o fim do acordo para o provimento de médicos no Brasil, o então ministro da Saúde, Gilberto Occhi, afirmou que os profissionais que decidissem ficar no País não ficariam desassistidos. O socorro ainda não chegou.

A proposta de fazer uma reintegração temporária há tempos é avaliada pela equipe do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Mas o tema sempre foi cercado de cuidados, sobretudo, para não criar animosidade com entidades médicas. Uma das maiores preocupações da pasta é evitar que a concessão feita a profissionais cubanos dê margem para que outros médicos, como brasileiros formados no exterior, queiram tratamento semelhante. 

Daí o controle para que apenas os profissionais cubanos que já atuaram no programa e realizaram toda a capacitação sejam readmitidos por um período determinado. Seria uma espécie de “renovação tardia” dos contratos. Quando profissionais cubanos chegaram no País, a partir de 2013 para trabalhar no Mais Médicos, a ideia era a de que eles permanecessem apenas por um período de três anos. Ao fim do prazo, no entanto, o governo emitiu uma medida prorrogando por três anos a permanência.

Estadão