DEFESA DO VELHO CHICO – POESIA VERSUS ROMANTISMO

Wilson Mattos - Eng. Agrônomo

Secularmente o Velho Chico, ou o Rio da Integração Nacional, ou ainda, o Rio Opara, como, poeticamente, queiramos chamar o velho Rio São Francisco, de 516 anos de descobrimento, vem sendo antropicamente agredido de diversas formas. Mas observemos que, sempre, em nome do desenvolvimento, do progresso, da geração de divisas, da geração de emprego e renda e blá, blá, blá...

E ele, coitado, no seu jeito manso e naturístico de correr, vem tentando falar aos seres mais evoluídos da biodiversidade – o Homem - que um dia sucumbirá. E mais, que não sucumbirá sozinho, mas todos nós que o amamos o usamos de forma agressiva, sucumbiremos juntos.

Mas, caros leitores, depois dessa, talvez trágico-poética introdução, quero salientar que o meu objetivo ao dissertar é chamar à atenção para algumas deliberações impróprias, ineficientes, ou, até mesmo hipócritas – as quais tenho adjetivado de Deliberações Românticas – de órgãos governamentais, os quais deveriam atuar com eficiência técnica e responsabilidade social e política que lhes cabem.

Duas deliberações instigam-me a discordar e manifestar o meu protesto. A primeira é a Resolução de Nr. 1.043, de 19/06/17, da Agência Nacional das Águas – ANA, que instituiu o “Dia do Rio” e a segunda é a DETERMINÇÃO Nr. 002, datada de 26/06/17 e assinada pela Diretoria da Área de Gestão de Empreendimentos de Irrigação, da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco, Parnaíba e Maranhão – CODEVASF, a qual determina às Superintendências Regionais restrição a novas concessões de água nos Projetos de Irrigação e análise da legalidade dos atuais usos da água derivada dos canais de irrigação que atendem os projetos, ou seja, ambas no intuito de demonstrarem a preocupação com a crise hídrica do rio São Francisco. Entretanto, nenhuma delas, trata as antigas e progressivas agressões que o rio vem sofrendo com a devida eficiência técnica e seriedade que o problema requer.

Como embasamento desta minha afirmativa, está o lógico raciocínio de que os poderes governamentais, através dos seus órgãos representativos, são conhecedores de todas as problemáticas e as causas que têm levado o Rio São Francisco a ser fragilizado e, em vez de instituírem uma política pública permanente, que contemple ações claras e bem definidas para a revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, ficam, de forma equivocada, promovendo fatuais e inaplicáveis deliberações na vã tentativa de mostrarem preocupação com a problemática. É mister que o mal seja extirpado pela raiz; e a raiz, ou raízes, são de pleno conhecimento dos gestores públicos.

Diante da citada Determinação da CODEVASF, faço as seguintes reflexões:

  1. Será que, através deste instrumento, o órgão irá reverter todas as ampliações das áreas irrigadas, a exemplo das áreas de sequeiro dos Projetos de Irrigação, as quais, hoje, são cultivadas sem as devidas autorizações da CODEVASF?;
  2. Será que resolverá a conflituosa ocupação do MST no Projeto Salitre e em outros Projetos de Irrigação?;
  3. Será que acabará com as diversas formas de desperdício de água pelos agroempreendedores devidamente autorizados a exercerem a atividade?

Francamente, acho muito improvável, em um cenário de que o mesmo órgão que DETERMINA é o mesmo que não CUMPRE com os seus deveres.

E, só para citar um exemplo, vou falar bem baixinho, de forma que só a CODEVASF me ouça: O Projeto Salitre está sem a devida atenção desse órgão. O Distrito de Irrigação Salitre – DIS, está juridicamente constituído, entretanto não foi homologado pela Diretoria Executiva da CODEVASF, a qual alega falta de recursos financeiros para cumprir com os seus deveres. Enquanto isso, vários são os desperdícios de água naquele empreendimento, à luz do sol, para todo mundo ver. As condicionantes ambientais, determinadas pelo INEMA, não são cumpridas.

Então, senhoras e senhores, é preciso entender que devemos defender o grandioso e divino patrimônio que é o Rio São Francisco; até poeticamente, como vários representantes culturais, através da poesia, da música, da pintura e da fotografia têm exposto as aflições do Velho Chico, mas que, como representantes governamentais, não podem ser românticos; precisam ser fatídicos e seriamente atuantes, de forma a aniquilar verdadeiramente as agressões ambientais, e isso, só será conseguido, efetivamente, com a instituição de Lei permanente de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. O resto é romantismo e politicagem.

E, finalizando, poeticamente, já foi dito: “As margens, braços carinhosos e fartos do Velho Chico ficaram frágeis. A população, antes acalentada e alimentada, ficou pobre e triste. A seca contagiou seus sentimentos. Bateu a nostalgia. A fome chegou com força. As referências do passado estão mergulhadas e o tempo impede a localização exata de cenários que falam da infância, das brincadeiras... A memória ficou turva. O barro das margens não reconstrói a vida...

...Não é fácil ser rio. É preciso persistência. É manter a água – seiva da vida – sempre no mesmo rumo e cavar na terra a profundidade que merece uma existência. Deixar marcas e caminhos. Novas gerações estão chegando e muitas outras estão por vir. Os bons exemplos e as boas práticas permitirão que o Velho Chico se mantenha santo, se perpetue São Francisco” (CORDEIRO, L. ORGANIZAÇÃO SOCIAL – Caminho para o Desenvolvimento Sustentável – Bacia do Rio São Francisco. Brasília, 2002).

SALVEMOS O VELHO CHICO. NOS SALVEMOS!