Missa do Vaqueiro Serrita completa em julho 52 anos com histórias de fé e devoção

Compreender que a história vem se tecendo com a força da própria vida é uma reflexão. Por isto, disse o cantador, escritor Vírgilio Siqueira, não ser possível guardar na própria alma a transbordante força de uma causa. Daí não ser possível retornar, afinal, a gente nem sabe ao certo se de fato partiu algum dia.

No mês de julho a Missa do Vaqueiro de Serrita completa 52 anos. Criada por Padre João Câncio, Luiz Gonzaga, Mestre da Sanfona e o poeta cantador Pedro Bandeira, a Missa possui uma mística de fé e histórias. 

Este ano, amigos e participantes da Missa do Vaqueiro de Serrita, lembrarão com mais saudade a ausência do agora saudoso Antônio Davi Pereira, conhecido por seu Antônio Mendes que partiu para o "Sertão da Eternidade" no dia 11 de setembro de 2020.

Seu Antônio em vida participou de 50 missas do vaqueiro. Foi um dos fundadores, um dos primeiros a participar da tradicional missa.  Esteve presente nos principais diálogos para a criação e cujos frutos brotaram no que hoje é a Missa do Vaqueiro de Serrita um Patrimônio Cultural do Brasil. 

O agricultor, empreendedor Antonio Mendes foi um alicerce que trabalhava e não perdia o otimismo e contribua com muitas ações para que a Missa pudesse ser realizada. Seu Antônio teve mais um privilégio. Conviveu com Luiz Gonzaga, Pedro Bandeira e Padre João Câncio. Distribuiu rapadura, queijo e farinha, ouviu aboios e se emocionou com a força do trabalho e das palavras construídas nas vozes dos vaqueiros mais autênticos que ampliam a cultura e a busca de justiça social.

O biomédico, Cícero Jurandir Pereira é um dos filhos de seu Antônio. Ele revelou a reportagem (BLOG NEY VITAL) que "este ano mais uma vez estará presente na Missa do Vaqueiro de Serrita", ressaltando que devido o isolamento social provocado pela pandemia Covid-19, uma das últimas missas que o seu pai participou foi sem a presença de grande público e por isto este ano a "emoção será mais forte devido a presença dos amigos vaqueiros todos encourados".

A ativista cultural, Maria de Fátima Tenório Ribeiro, há 22 anos participa da Missa do Vaqueiro. Natural da cidade de Arcoverde este ano estará em Serrita. Ela é uma das que vai sentir a ausência de seu Antonio Mendes no Parque Nacional dos Vaqueiros,  Sitio Lajes, local onde é realizada a Missa.

Emocionada Nadir Ribeiro, lembra que seu Antonio Mendes foi um daqueles sertanejos que fazia questão de receber e abraçar, amigos e visitantes, gostava de acolher as pessoas, de prosear sobre a vida e contar histórias sobre a Missa do Vaqueiro e ainda das dificuldades e vitórias do homem da caatinga.

Nadir Ribeiro recebeu em 2017 o Prêmio Cultivador da Cultura, da Ordem Federativa ao Mérito e do Movimento Café com Poemas,  em Belo Horizonte, Minas Gerais

DEVOÇÃO: "Tengo/legotengo/lengotengo/lengotengo.… O vaqueiro nordestino/morre sem deixar tostão/o seu nome é esquecido/ nas quebradas do Sertão...” 

Na Missa do Vaqueiro de Serrita, edição 52, mais uma vez os aboios e versos vão ecoar pelo lugar, realçados pelo trote dos animais e o balançar natural dos chocalhos trazidos pelos donos, todos em silêncio. É música. É arte. 

Cada arte emociona o ser humano de maneira diferente! Literatura, pintura e escultura nos prendem por um viés racional, já a música nos fisga pelo lado emocional. Ao ouvir música penetramos no mundo das emoções, viajamos sem fronteiras.

Foi no sítio Lages, que um primo do Rei do Baião, no ano de 1951, Raimundo Jacó, homem simples, sertanejo autêntico, tendo por roupa gibão, chapéu de couro tombou assassinado.

Realizada anualmente sempre no mês de julho, a Missa do Vaqueiro tem em suas origens uma história que foi consagrada na voz de Luiz Gonzaga e criada com os amigos Padre João Câncio e Pedro Bandeira. A música composta por Nelson Barbalho e Luiz Gonzaga, ainda ecoa nos sertões brasileiros: Raimundo Jacó, um vaqueiro habilidoso na arte de aboiar. 

Reza a história que corre até hoje nos sertões que seu canto atraía o gado, mas atraía também a inveja de seus colegas de profissão, fato que culminou em sua morte numa emboscada. O fiel companheiro do vaqueiro na aboiada, um cachorro, velou o corpo do dono dia e noite, até morrer de fome e sede.

A história de coragem se transformou num mito do Sertão. A sua vida foi imortalizada pelo canto de Luiz Gonzaga. O Rei do Baião, que era primo de Jacó, transformou “A Morte do Vaqueiro” numa das mais conhecidas e emocionantes canções brasileiras. Luiz Gonzaga queria mais.

 Dessa forma, ele se juntou a João Câncio dos Santos, na época padre que ao ver a pobreza e as injustiças sociais cometidas contra os sertanejos passou a pregar a palavra de Deus vestido de gibão, para fazer do caso do vaqueiro Raimundo Jacó é o mote para o ofício do trabalho e para a celebração da coragem. Assim, em 1970, o Sítio Lajes, em Serrita, onde o corpo de Raimundo Jacó foi encontrado, recebe a primeira Missa do Vaqueiro. 

De acordo com a tradição, o início da celebração é dado com uma procissão de centenas vaqueiros a cavalo, que levam, em honras a Raimundo Jacó, oferendas, como chapéu de couro, chicotes e berrantes, ao altar de pedra rústica em formato de ferradura. 

A missa, uma verdadeira romaria de renovação da fé, acontece sempre ao ar livre. A Missa do Vaqueiro enche os olhos e coração de alegria e reflexões.  Vaqueiros e suas mãos calejadas, rostos enrugados pelo sol iluminam almas. 

Em Serrita ouvimos sanfonas tocando alto o forró e o baião. Corpo e espírito ali em comunhão. A música do Quinteto Violado, composto por Janduhy Filizola é fonte de emoção. A presença de Jesus Cristo está no pão, cuscuz, rapadura e queijo repartidos/divididos na liturgia da palavras.

Emoção! Forte Emoção. É a mística presente na Missa do Vaqueiro ao ouvir sanfona e violeiros: “Quarta, quinta e sexta-feira/sábado terceiro de julho/Carro de boi e poeira/cerca, aveloz, pedregulho/Só quando o domingo passa/É que volta os viajantes aos seu locais primitivos/Deixa no caminho torto/ o chão de um vaqueiro morto úmido com lágrimas dos vivos".

E aqui um assunto pra concluir: quando o gado passa diante do mourão onde se matou uma rês, ou está esticado um couro, é comum o gado bater as patas dianteiras no chão e chorar o sentimento pelo “irmão” morto. O boi derrama lágrimas e dá mugidos em tons graves e agudos, como só acontece nos sertões do Nordeste!

Assim eu escutei e aqui reproduzo...(Texto e reportagem Jornalista Ney Vital. Apresentador produtor do Programa NAS ASAS DA ASA BRANCA  VIVA LUIZ GONZAGA E SEUS AMIGOS. Transmissão aos domingos 8hs Rádio FM 95.7 e Rádio Cidade AM 870)

Redação redeGN