Comitê faz alerta para risco de 'privatização' da bacia do Rio São Francisco

“A cada R$ 1 gasto na transposição das águas do Rio São Francisco, R$ 2 serão investidos em revitalização”.

A promessa dos governantes que implantaram o sistema de captação e que nunca se concretizou e a degradação crescente do rio na integração nacional levaram o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) a se engajar na campanha “Eu viro carranca para defender o Velho Chico”, que teve a sua nona edição lançada nesta quarta-feira (18), em Ouro Preto.

Voltando a ser feita de forma presencial após o controle dos casos de COVID-19 no Brasil, a campanha de 2022 tem o lema “O Rio São Francisco São Muitos”, que revela um objetivo ambicioso de quebrar uma barreira cultural.

“Uma bacia não se faz de uma única calha, mas de afluentes, nascentes e sobretudo de gente. Temos de trazer o pertencimento a áreas da bacia que não se veem como parte. O pertencimento é muito forte em alguns locais, como Aracaju, onde o abastecimento depende em 70% das águas do rio, mas o mesmo não ocorre em Belo Horizonte e Salvador que estão distantes do rio propriamente dito, mas fazem parte da bacia. Por isso queremos levar esse sentimento a esses lugares”, afirma o presidente do CBHSF, Maciel Oliveira.

As cidades que concentram a campanha e a disseminam regionalmente são Pirapora (Alto São Francisco), Ibotirama (BA – Médio SF), Glória (BA – Submédio SF) e Gararu (SE – Baixo SF).

O comitê também alerta para o risco de mudança da legislação que instituiu a política hídrica nacional, a lei 9.433, por meio do Projeto de Lei PL 4.546.

“Esse projeto põe em  risco todas as bacias e principalmente a do São Francisco. “A lei-9.433 foi uma conquista e que foi discutida pela sociedade. A nova redação proposta centraliza no estado o poder que era da bacia, pois o povo e os usuários conhecem melhor a bacia. A água é um bem limitado e dotado de valor econômico. Nessa nova redação estão querendo privatizar e fazer um comércio das águas”, criticou Oliveira.

Caso o projeto seja aprovado no Congresso e sancionado, os comitês passarão a não ter mais como aprovar os planos de gestão de recursos hídricos. “Isso seria delegado às mãos do poder público, que é chapa branca e não conhece a bacia tão bem como quem está lá. Isso traria também a judicialização de conflitos que não existem hoje por causa do comitê. As leis estaduais terão de mudar. Será um desmonte”, resumiu o presidente do CBHSF.

NOVO MARCO HIDRÍCO: O projeto de lei institui a Política Nacional de Infraestrutura Hídrica, dispõe sobre a organização da exploração e da prestação dos serviços hídricos e altera a Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, e a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000.

A proposta que tramita na Câmara dos Deputados vem sendo chamada pelo governo de “novo marco hídrico”.

De acordo com o governo, o projeto favorece o gerenciamento eficiente da água no Brasil, principalmente em bacias críticas. Também ampliaria a participação da iniciativa privada no financiamento e exploração das infraestruturas hídricas, como barragens e canais de água para usos múltiplos.

O Poder Executivo alega que o setor vai demandar investimentos de R$ 40 bilhões até 2050, o que não seria viável apenas com recursos públicos. Por isso, segundo o governo, seria necessário atrair a iniciativa privada.

O momento foi também de lançamento da Expedição Científica, que este ano se amplia e chega ao Submédio São Francisco, e o Simpósio da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, que reunirá cientistas e acadêmicos da bacia para o debate e a busca de soluções para os problemas que afetam o manancial da integração nacional.

A bacia do São Francisco abrange 8% do território brasileiro em 505 municípios, passando pelos estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. A transposição é um projeto que liga os estados do Ceará, da Paraíba e do Rio Grande do Norte. São 18 milhões de pessoas que dependem das águas da bacia.


 

Mateus Parreiras/Jornal Estado de Minas