40 anos sem Elis Regina: viva em saudade e certeza de que foi única

Das saudades mais doídas da Música Popular Brasileira está a de Elis Regina. Nesta quarta-feira (19) contam-se quarenta anos da fatídica manhã de janeiro de 1982, quando ela se foi, em meio a controvérsias sobre a causa da morte - com exames posteriores que comprovaram parada cardíaca após combinação de cocaína e bebida alcoólica. 

De ouvido absoluto e afinação incontestável, a cantora gaúcha segue ostentando e, diga-se, sem ameaça, o título de a maior do País. Fato, aliás, atemporal e que não envelhece, tal qual ela que não teve tempo cronológico para tanto, precocemente arrebatada que foi, como “num rabo de foguete”, aos 36 anos de vida e pelo menos duas décadas de imensidão como artista, e das mais perfeitas. 

À frente do seu tempo e insurgente a ser o que o mercado fonográfico apelava para que fosse – a exemplo do LP inaugural “Viva a Brotolândia” (Continental, 1961) quando, a convite da gravadora e na época com 16 anos de idade, foi levada a ‘vestir a pele’ de Celly Campelo – Elis assumiu suas próprias vestes a partir da metade da década de 1960 com o álbum “Samba eu Canto Assim” (1965). 

Daí em diante uma discografia pitoresca e colossal, incluindo o álbum “Elis & Tom” (1974), tido por críticos como um dos supra-sumos da música brasileira, consolidava-se numa história que permanece inabalável.

“(...) Isso me deixava nervosa, ter que ser uma segunda pessoa. Não por ser ela (Celly). Mas eu queria morrer sendo eu”, prenunciou ela sobre sua estreia ainda adolescente, no início da década de 1960, durante entrevista concedida à TV Cultura em 1982 para o programa “Jogo da Verdade”. Aliás, a última delas, no dia 5 de janeiro daquele ano, para dias depois sair de cena da vida. 

E foi também no programa que ela contou sobre o legado que gostaria de deixar para a posteridade. “Os discos, a única coisa que vou deixar para o futuro. O único legado, tenho certeza disso. A longevidade do disco é uma coisa que pode servir de testemunha de defesa ou ‘lascar’ uma condenação histórica”.
No caso de Elis Regina, as duas premissas serviram, inclusive para “condená-la” como a melhor cantora de todos os tempos, cujo “entrar em transe” ao emprestar a voz, por exemplo, a canções como “Romaria” (Renato Teixeira) e “Fascinação” (F.D. Marchetti e M. De Feraudy) deixava claro a destreza de conseguir ser tantas em uma só.

Elis deu vida a nomes como Caetano, Gil, Aldir Blanc, João Bosco, Edu Lobo, Milton Nascimento e Tom Jobim, entre outros gênios compositores que, segundo ela própria, foi uma geração que deixou as demais “para o gasto” ou “Ficou muito pastel e muita feira, feijoada mesmo fomos nós quem fizemos”.

Mãe de três filhos, João Marcelo Bôscoli (produtor musical), Pedro Mariano (cantor e compositor) e Maria Rita (cantora e compositora), Elis Regina transitava artisticamente entre amabilidades e prepotências, estas últimas decerto necessárias diante de um mercado fonográfico já esmagador e opressivo.

“Hoje (década de 1970) é mais difícil fazer disco... Sou mais petulante do que eles todos e até arrisco um bocado”. Um risco (e ousadia) que impôs, por exemplo, uma releitura personalizada para “Saudosa Maloca” (1951), samba de Adoniran Barbosa que para ela, diante da letra espinhosa, não podia ser cantado com alegria. “Cantei lento e arrastado”. 

O fato é que “nossa Pátria mãe gentil” que tem chorado tantas “Marias e Clarisses”  - e salve mais uma interpretação irrefutável de Elis de “O Bêbado e o Equilibrista” (João Bosco/Aldir Blanc) – permanece sob o ecoar da voz da cantora “Pimentinha” e em estado saudoso (e perene) que destoa da máxima sobre o tempo que ameniza tudo.

Folha Pernambuco/Germana Macambira