A covid e o coração: por que há tantas mortes entre os cardiopatas

Para o cardiologista Wladimir M Freitas, Ph.D. pela Unicamp, ainda temos muito o que falar sobre covid-19 e coração. No início da pandemia, todos achavam que as infecções pelo novo coronavírus provocavam problemas exclusivamente respiratórios, mas, hoje, percebe-se que se trata de uma doença sistêmica, capaz de afetar bastante o coração.

O especialista explica que, mesmo que a covid-19 ataque mais os pulmões dos pacientes em casos graves, essa não é a causa da maior parte das mortes.

“O grupo de pacientes com doenças cardíacas prévias apresentou uma mortalidade 32% maior, quando comparado com o grupo de indivíduos com hipertensão e diabetes. E este último grupo, por sua vez, apresentou uma mortalidade 11% maior que o grupo de indivíduos sem doenças”, mostram as estatísticas. Até mesmo em pacientes com câncer, a mortalidade por covid-19 é menor quando comparada a quem tem problemas cardiovasculares.

Wladimir alerta, ainda, que as complicações cardíacas, no caso da covid-19, misturam-se muito, em termos de sintoma, com as pulmonares — cansaço, falta de ar e fadiga. E enumera as situações em que é preciso ficar atento: “Na fase aguda, se houver um cansaço súbito, ou seja, você estava bem e, de repente, piorou, é um sinal de alerta. Segundo ponto é o inchaço de membros inferiores, principalmente aquele que não regride quando você acorda. Em resumo, devemos ficar atentos à falta de ar súbita, ao cansaço que piora, em vez de melhorar, ao inchaço nas pernas e a um tipo bem específico de cansaço, aquele que, quando você deita, ele piora, e não melhora”.

Para uma vida mais saudável, o médico alerta para que as pessoas se mantenham bem hidratadas. Como muitos estão em home office, também é importante fazer uma pausa a cada 30 minutos, para não ficar na mesma posição por muito tempo.

A mortalidade por covid-19 aumenta muito se os pacientes apresentam doenças cardíacas prévias?
Em estudos recentes com pacientes hospitalizados por covid-19, aqueles que apresentavam doenças cardíacas prévias, como cirurgias cardíacas, infarto agudo do miocárdio e arritmias, tiveram maior mortalidade. O grupo de pacientes com doenças cardíacas prévias apresentou uma mortalidade 32% maior, quando comparado ao grupo de indivíduos com hipertensão e diabetes. E esse último grupo, por sua vez, apresentou uma mortalidade 11% maior que o grupo de indivíduos sem doenças. Fica cada vez mais evidente que o grupo de cardiopatas, juntamente com os idosos, representa o grupo de maior risco de morte por covid-19, mais do que aqueles indivíduos com apenas fatores de risco, como hipertensão e diabetes.

E por que isso ocorre?
Isso se deve, em boa parte, a uma característica biológica do vírus. Para penetrar a célula, o vírus utiliza uma molécula chamada ACE-2, que está amplamente distribuída nos vasos sanguíneos, no coração, nos rins e em outros órgãos. Além de ter uma distribuição ampla no organismo, a ACE-2, tem uma importante função, tanto na regulação do sistema cardíaco quanto no controle do nosso sistema de defesa. E, ao utilizar essa molécula como porta de entrada, o vírus acaba impedindo que a molécula exerça seu papel de regulação cardíaca e do sistema de defesa. E, assim, ao impedir a molécula de funcionar de modo apropriado, em um organismo de um indivíduo já fragilizado por doenças cardíacas, o risco de morte se torna maior. Ainda mais, uma vez que o envelhecimento humano nos torna mais suscetíveis a doenças cardíacas, e essas aumentam a mortalidade. Tem-se, assim, a explicação da elevada mortalidade no grupo dos cardiopatas e idosos. Por isso, esses grupos foram prioritários nas campanhas de vacinação e principal alvo nas campanhas de medidas sanitárias.

Além dessas medidas de prevenção, que outras podem ajudar a reduzir a mortalidade desse grupo?
De maneira bastante animadora, os estudos têm mostrado que, entre os cardiopatas idosos, aqueles que estavam em uso regular da medicação cardiológica, especificamente medicação para pressão arterial e para colesterol (as estatinas), apresentaram uma mortalidade menor. Assim, mais uma relação entre a covid-19 e o coração se estabelece. Se, por um lado, a cardiopatia aumenta a mortalidade, de maneira oposta, os cardiopatas que fazem uso regular de suas medicações, tanto de pressão arterial quanto das estatinas, apresentaram uma mortalidade menor que aqueles em uso irregular ou sem uso das medicações.

As vacinas podem afetar o coração?
Os órgãos de controle de saúde, tanto americanos quanto europeus, têm alertado para o risco aumentado de miocardite e pericardite com a segunda dose das vacinas Pfizer ou Moderna. No Brasil, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não há relato de miocardites e ou pericardites pós-vacinais. E isso ocorreu, na maioria dos casos, em indivíduos abaixo de 30 anos do sexo masculino. A miocardite e a pericardite são inflamações no músculo cardíaco e na membrana que envolve o coração, respectivamente. As principais manifestações são dor no peito e falta de ar. Nos casos das reações vacinais, os sintomas ocorreram na primeira semana após a segunda dose, 95% foram considerados leves e não houve nenhuma morte associada. Embora reações vacinais possam ocorrer, o risco de miocardite e morte pelo próprio vírus supera em muito o risco da vacina. Vamos aos números: um alerta do CDC (Centro de Controle de Doenças) americano demonstrou que, para cada milhão de segundas doses aplicadas em homens abaixo de 24 anos, foram evitadas 127 internações em UTI e três mortes, enquanto poderiam ocorrer 45 casos de miocardites não letais pela vacina. Isso ratifica o grande benefício da vacina na prevenção e redução de mortes.

Na sua experiência clínica, o uso do chamado kit covid, que cientistas são unânimes em dizer que não tem eficácia nem na prevenção nem no tratamento da doença, tem afetado o coração dos pacientes?
O famoso kit covid incluía, lá atrás, hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina e os anticoagulantes. O que se viu em estudos, principalmente em relação à hidroxicloroquina, foi que aqueles indivíduos que usaram mais tinham 15% de chance maior de morte cardíaca do que quem não usou. Não tem como termos dados específicos, mas se você imagina que um grande números de indivíduos usou essas drogas de maneira indiscriminada, você pode supor, com razoável certeza, que algumas mortes ocorreram pelo uso indevido, principalmente em altas doses, como se preconizava, no início da pandemia, o uso da hidroxicloroquina.

Que conselho o senhor daria aos cardiopatas?
Se você possui mais de 65 anos e tem cardiopatia, mantenha seus cuidados sanitários e vacine-se. Além disso, mantenha o uso da medicação para a pressão e para o colesterol. Dessa forma, a saúde das suas artérias o ajudará a enfrentar os riscos da covid-19.

Correio Braziliense