Em meio à Covid-19, verba de obras para o sertanejo armazenar àgua é reduzida

Cinco vezes por semana, o agricultor Givanilson Ramos Pereira, 25, anda cerca de meia hora para chegar até o local mais próximo da sua casa com água, no município de Campo Formoso, semiárido baiano. "Para trazer a água, eu uso a carroça de mão", conta, explicando que não tem como se prevenir da covid-19. 

"Se ficar em casa não tem água nem para beber, quanto mais lavar as mãos", afirma. Cansado de esperar pela construção de um cisterna pelo poder público, ele decidiu, há um mês, começar a fazer um reservatório nos fundos de sua casa, com recursos próprios. "Acho que vou gastar uns 2.400 reais. É muito caro, mas já como me inscrevi [para receber o equipamento] e nunca tive resposta, prefiro fazer aos poucos do que ficar sem", diz.

No que depender de recursos federais, a espera de Givanilson e de outros milhares de sertanejos deve ser longa. O ritmo de construções do Programa Cisternas, do governo federal, caiu 78% na comparação a 2019 — ano que já havia registrado o menor número de equipamentos feitos desde o lançamento do programa, em 2003. As poucas obras que estão sendo feitas este ano, dizem estados e entidades, são de contratos antigos, e não há novos sendo assinados. Ou seja, a seguir assim, o ritmo deve ser menor a cada mês. 

A redução no número de cisternas construídas pelo programa federal vem caindo desde 2015, ainda no governo Dilma Rousseff. No primeiro semestre de 2020, a queda foi ainda maior. O Ministério da Cidadania informou ao UOL que foram construídas apenas 4.416 cisternas, o que dá uma média de 736 ao mês — no ano passado, essa média foi de 2.588; em 2014 (recorde do programa), de 12.426.

Na área rural do semiárido vivem hoje 1,7 milhão de famílias, ou 9,5 milhões de pessoas. Dessas, 1,3 milhão já têm cisternas, e a fila de espera hoje está estimada em 350 mil famílias, segundo a ASA (Articulação do Semiárido), rede formada por 3.000 organizações da sociedade civil na região. A entidade é a maior executora do programa na região, responsável por 600 mil das 1,3 milhão de cisternas no semiárido. As cisternas de primeira água são o principal equipamento para armazenamento das famílias no semiárido em períodos de seca. Elas são feitas de placas de concreto e têm capacidade para 16 mil litros. A água que enche o reservatório é captada por meio de calhas feitas no entorno do telhado da casa. Em épocas de estiagem, elas servem para receber água dos caminhões-pipa. Além desse tipo, existem ainda as cisternas escolares e de segunda água (maiores e destinadas para produção de alimentos) financiadas pelo programa, mas que existem em número bem inferior às de primeira água.

O secretário do Desenvolvimento Agrário do Ceará e presidente do Fórum Regional dos Secretários da Agricultura Familiar do Nordeste e Minas Gerais, Francisco de Assis Diniz, diz que, sem repasses do programa para cisternas, os estados da região estão apelando para outras alternativas de financiamento.

"A gente tem tido aqui no Ceará, por exemplo, um financiamento de cisternas via emenda feita por três deputados. Estamos recebendo agora R$ 28 milhões dessas emendas. No Ministério da Cidadania, não tivemos recursos disponibilizados no orçamento este ano. Essa falta de verbas para as cisternas ocorre em todos os demais estados do Nordeste. O que está sendo feito agora é ainda fruto de recursos dos orçamentos da Dilma e do presidente [Michel] Temer", afirma.

Com o corte de verbas, os estados da região estão se organizando para não acabar com a ideia de universalização de cisternas prevista para o semiárido. "Essa discussão tem sido feita pelos secretários para construir uma ação por dentro do Consórcio de Governadores do Nordeste com as bancadas federais", explica Diniz. Segundo Rafael Neves, coordenador dos programas de primeira água da ASA, os cortes que começaram em 2015, mas agora viraram uma escassez completa de dinheiro.

Neves lembra que as cisternas são fundamentais às famílias na luta contra a covid-19, já que elas garantem que o agricultor não saia de casa para buscar água. "Se tivesse desembolsado lá em janeiro, a gente podia enfrentar essa pandemia com mais famílias com cisternas. Veja a diferença que representa a uma família enfrentar essa situação tendo água em casa para lavar as mãos, para se alimentar, para produzir alimentos saudáveis. Iríamos garantir uma redução de mortes com ampliação de ação de água —coisa que a gente não teve", diz.

O maior temor vem justamente agora, com a interiorização da covid-19. "Vários estados estão enfrentando essa chegada do vírus no semiárido, e algumas organizações estão apelando porque essa é uma ação emergencial. A gente está pensando em protocolos para voltar uma ação de campo, para executar esse saldo, mas hoje não temos recurso novo para garantir mais cisternas", explica. 

Uol - Carlos Madeiro