De repentemente cinquentamos – Por Ticiano Felix

09 de May / 2025 às 09h56 | Variadas

Terminei o  6 de Maio de 2025 como um dia comum, como outro qualquer, laborando no meu “quifazer” e para relaxar e dormir, folheei um velho livro, um daqueles empoeirados que hibernava num canto da minha biblioteca, peguei justamente o  que descreve um assunto cheio de ácaros, um livro da mitologia grega e que logo à sua primeira página fala de  Cronos, o mais poderoso Titã, filho de Urano (Céu) e de Gaia (Terra), foi casado com Reia, sendo os pais dos deuses  olímpicos. Destronou seu pai, o castrando com uma cega foice e foi destronado por Zeus, seu filho. Zeus fez isso em nome da sua sobrevivência e de seus irmãos, pois seu pai, o deus do tempo, destruía tudo, inclusive os seus filhos.  

Independente dos ensinamentos de Jan Val Ellam, o tempo, CRONOlogicamente consome tudo e a todos, o tempo, apesar de ser o senhor da razão, é também muito relativo, pense na importância de UM simples minuto, pensou?  Agora veja como ele pode ser visto de diversos prismas, UM minuto de quem está dentro do banheiro é bem diferente para quem está na porta esperando. Como cobaia dou-me de exemplo, há poucas décadas, praticamente ontem, vez por nunca me sentia um deus Apolo ao passar nas ruas, por tantas vezes ouvia discretos e sonoros psius de jovens garotas de idade semelhante a minha, naquela época isso se chamava paquera e não nos sentíamos deflorados psicologicamente, hoje, alguns chamam de assédio. 

Contrastando com os anos 90, semana passada fui buscar meu caçula na escola, eu estava ao meu estilo, despreocupado com as aparências, pois como diria um velho sapo a coaxar, eu não vim ao mundo para ser modelo,  carregando o meu matulão a tiracol, fui emboscado por uma “alcatéia de guris”, que ao me ver,  já uma figura desprovida de dotes joviais, com longa barba grisalha e cabelos estilo “Luka”, o “menino alfa” gritou sonoramente: “CORRE QUE É  VÉI DO SACO!”, e saíram mais velozes e aterrorizados do que uma raposa ao se deparar com um cachorro toco; nesse momento passava uma  conhecida ao meu lado e me confortou  alcalinamente  com uma ácida metáfora: “Quem diria, um cacho de uvas, virou um abacaxi”. 

De repentemente cinquentei, mas não foi uma cinquentada qualquer, foi uma aramada farpanteante, foi como quem abre uma porta rangenta, e vivendo na parte de dentro como uma curiosa criança, deparo-me com o lado de fora e começo a refletir como quem gastou a metade da vida preocupado com a matemática e esquecendo de respirar a poesia. Irresponsavelmente fui irresponsável ao não querer responsabilidade alguma com o passar do tempo. Quando pequeno troquei tapas com meu irmão Tietre, numa justa disputa para ver quem teria a dignidade de ir montado na cangalha do trotão jumento Troncho de vovô, com duas ancoretas de lado, hoje me pego reclamando do pouco conforto da minha pick up. 

Por trás dessa rangenta porta, lembro-me de Tia Dodora Costa nos trazendo do Jardim da Infância, escola que ficava na Casa Paroquial, e quando chegávamos a frente da casa de Nega do Doce, alguém perguntava em tom de difusora: “TEM DOCE DE MUCUNÃ?” Só não lembro direito se éramos nós ou nossa professora-estagiária que fazia a indagação desaforada. A nossa sorte é que éramos ágeis, Nega nunca acertou uma “cabada” de vassoura em nenhum de nós. 

Com essa porta fechada, na minha pequena Curaçá, ecoou sons lendários, além de uns e outros qualquer, nenhum de nós deixava  de ouvir e ver uma Blitz,  estávamos a uns dois passos do paraíso e não percebemos, éramos tão jovens, tão jovens, mas tenho certeza que nem tudo foi tempo perdido, naquela época não andávamos de táxi, mas ouvíamos Eva no rádio; sonhávamos em sermos engenheiros por cá, ou no Havaí, ir pra Califórnia, viver a vida sobre as ondas... 

Essa porta guarda boas memórias, longas gargalhadas, mas também nos deixou sair, sem pedir licença, sonhos, esperanças, entes amados e queridos que não voltarão jamais... Bendita porta, maldita porta! - agora dou um passo a frente, deixo pra trás o medo do seu rangido e como diriam os Highlanders Connor MacLeod e Kurgan, num imaginário diálogo - que venham os próximos cinquenta, pois é apenas o começo. 

Finalizando, peço licença ao grande Cartola e sigo cantando: “Deixe me ir/ Preciso andar/ Vou por aí a procurar/ Sorrir pra não chorar”. 

Por Ticiano Felix - Curaçá

© Copyright RedeGN. 2009 - 2025. Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do autor.