O radio é uma terapia. “O rádio tira você da solidão”

Quem costuma frequentar o Parque está habituado a ver muitos grupos de pessoas reunidas nos gramados e sombras das árvores, fazendo picnic, churrasco, ou improvisando um almoço. Famílias comemorando aniversários, chás revelação e até casamentos, reunião de turmas de escolas ou de universidades, e muitos grupos de igreja, de diferentes religiões.

Mas outro dia me chamou particularmente a atenção um grupo que participava de um desses almoços “junta panela” porque havia uma faixa grande de tecido informado que se tratava do Encontro da Família do Rádio.

Achei muito curioso e me aproximei do grupo de pessoas simpáticas e sorridentes, que me receberam muito bem, pra explicar do que se tratava. A Família do Rádio é uma comunidade de pessoas que têm o hábito e a paixão por ouvir rádio.

Eles se encontram, no mínimo, a cada dois meses para conversar sobre rádio, ouvir estações, cantar, conversar com locutores, e falar de suas experiências como ouvintes. Antes, se reuniam nas áreas de churrasqueiras do Estacionamento 4, mas depois da derrubada dos pinheiros em 2023, transferiram os encontros para o Estacionamento 3.

Como não existe uma associação, uma diretoria, nem uma liderança entre eles, falei com várias pessoas presentes para entender a história da comunidade.

E tudo começou por iniciativa da Rádio Nacional AM, que promovia alguns encontros de ouvintes dos seus programas para que essas pessoas se conhecessem. Além desses encontros iniciados pela Nacional, havia na época shows, festas de outras rádios, como a Planalto, que se tornavam momentos de reunião do público ouvinte.

A vontade de manter contato fez com que os ouvintes dessas rádios passassem a marcar os encontros no Parque da Cidade, no início dos anos 90. Escolheram o Parque por ser acessível a todos, uma vez que participam dos encontros pessoas de todas as localidades do DF. Os programas preferidos, os tipos de rádio que possuem, as horas dedicadas ao hábito de ouvir rádio, são assuntos das conversas. Eles não têm perfil no Instagram, nem grupo de WhatsApp e, a cada encontro, já deixam a data do próximo marcada. As amizades entre eles foram construídas ao longo das últimas décadas em torno do hábito de ouvir rádio e hoje se consideram uma verdadeira família.

Conversei mais demoradamente com Helen da Silva Couto, uma das participantes desde o início, que nasceu em Brasília, tem 60 anos, é aposentada, moradora de Ceilândia, filha de pioneiros que vieram pro planalto em 1960.

Perguntas pra Helen:

P- Como é o encontro de vocês no Parque?

R- Então, esse encontro já acontece há muito tempo, era feito pela rádio Nacional, e quando a rádio deixou de promover, os próprios ouvintes começaram a fazer. A gente gosta muito de rádio e o encontro é uma maneira de conhecer os locutores e os ouvintes. Sempre vêm locutores diferentes, que nós mesmos ligamos pras rádios e convidamos. Todo mundo avisa a todo mundo, no boca a boca. Todos trazem comidas e compartilham.

P- Nesse grupo tem gente de todo o DF?

R- Tem de todo o DF e tem gente até de fora, do Mato Grosso, de Goiânia. Tem encontro que vem bastante gente e tem outros que já vem menos.

P- E quando vocês se encontram, vocês conversam sobre o quê?

R- Conversamos sobre rádio, sobre locutores, a gente faz amizades, e é muito bom. A maioria das amizades que a gente tem vem do rádio.

P- E cada um tem um programa preferido?

R- Específico não, cada um curte o que gosta mesmo.

P- E o que você diria sobre rádio pras pessoas?

R- Pra mim o rádio é o melhor meio de comunicação que tem. Eu falo que ter a internet foi bom, mas tem muito lugar que a internet não chega e o rádio chega. Pode ser na roça, naquele lugarzinho sem energia, mas o radinho de pilha tá lá.

P- E o que você gosta de ouvir?

R- Eu gosto de ouvir programas sertanejos e noticiários.

P- Quantas horas de rádio você ouve por dia?

R- O dia todo e a noite toda.

P- Todo mundo aqui ouve muitas horas?

R- Todo mundo, em qualquer lugar. E agora ficou ainda mais fácil porque a gente ouve também no aplicativo do celular.

P- O rádio mudou alguma coisa na sua vida?

R- Pra mim, mudou muito. Eu falo que, pra mim, o radio é uma terapia. É um meio de segurar uma depressão, uma ansiedade, porque você escuta um locutor conversando, você escuta um ouvinte participando, você interage com ele, você manda um áudio. É bom quando você escuta o seu nome no rádio, quando atendem um pedido, quando você manda um recadinho, quando alguém faz aniversário e você manda um recadinho para aquela pessoa, sem contar o carinho do locutor, é muito bom. Todas as pessoas aqui também interagem com as rádios e programas. O rádio tira você da solidão. As amizades aqui, todas, a gente fez através do rádio. Para mim tem sido muito bom. As pessoas são solidárias com você, se você estiver precisando de uma ajuda você pode falar, os ouvintes vão estar prontos pra te ajudar pela rádio ou até pessoalmente, aqui. É uma comunidade.

P- Qual a rádio que você escuta?

R- Todas! A Nacional, a Clube, a JK, a Atividade, todas, ondas médias, ondas curtas e FM.

P- Você sempre frequentou o Parque?

R- Não tinha o hábito de frequentar o Parque, passei a vir nos nossos encontros de ouvintes.

P- O que você acha do Parque?

R- Eu acho o Parque muito bom, só acho que ele tá muito jogado às traças. Eu gostaria que os administradores olhassem melhor pro Parque e cuidassem melhor do Parque, que é um ótimo local de encontro, acessível pra todo mundo, é arejado, apesar de muito largado.

P- O que lhe chama a atenção?

R- Chama atenção essa falta de cuidado com as churrasqueiras, os bancos quebrados, as mesas quebradas, tudo precisando de uma reforma nessa área ( a área de convivência do Estacionamento 3)

Toda vez que a gente vem continua do mesmo jeito, mas o Parque em si é muito bom pra gente estar aqui, passeando, se encontrando.

Texto Cilene Vieira - Correio Braziliense