Poeta completo no ritmo, harmonia e melodia: José Marcolino completaria 93 anos nesta quarta-feira (28)

28 de Jun / 2023 às 12h00 | Variadas

A frase de Fernando Pessoa, "quem, morrendo, deixa escrito um belo verso, deixou mais ricos os céus e a terra, e mais emotivamente misteriosa a razão de haver estrelas e gente", sintetiza nesta quarta-feira (28), o tamanho da saudade, sentimento maior na data que se fosse vivo o poeta, compositor José Marcolino, completaria 93 anos de nascimento.

O talento de Zé Marcolino, fez Luiz Gonzaga, Rei do Baião, gravar 18 músicas, todas sucessos atuais do século XXI e com ritmo, harmonia para mais outros tantos séculos. Zé Marcolino continua contemporâneo na música brasileira.

Pela sua importância na história da música brasileira, o Poeta Zé Marcolino merecia mais de atenção das entidades culturais do Governo Federal e Estadual. Um disco-tributo, com suas principais composições, um Memorial, um Seminário...são algumas das sugestões de gestos de gratidão e valorização da cultura brasileira.

"Há 56 anos eu tive o prazer de ser apresentado a Luiz Gonzaga pelo poeta José Marcolino que na época tinha uma loja no centro de Juazeiro, Bahia. Zé Marcolino era muito amigo dos colegas que moravam aqui e eram de Serra Talhada que anos depois ele foi morar lá onde fixou residência. Eu tinha 12 anos de idade e a imagem de Luiz Gonzaga e Zé Marcolino nunca saiu da memória". 

A declaração feita a REDEGN é do empresário João Luiz, nascido no dia 24 de junho de 1955, portanto com 68 anos. José Marcolino é autor da música Numa Sala de Reboco, Quero Chá, Pássaro Carão, Fogo sem Fuzil, Cacimba Nova, Cantiga Vem Vem, Saudade Imprudente, Boca de Caieira, Estrada, Dança de Nicodemos, Bota Severina pra Moer Zé, Currupio, Eu e Meu Fole, Cintura de Abelha, gravada na voz de Lindu, Trio Nordeste, entre tantos outros sucessos.

João Luiz revela que também 1975 em Petrolina durante o evento de entrega do título de cidadão a Luiz Gonzaga, durante o show na Concha Acústica, Zé Marcolino tocou e Luiz Gonzaga o fez 'vários elogios ao poeta".

A história conta que Zé Marcolino era poeta, contador de causos e compositor. No matulão carregava uma penca de músicas, na cabeça um sonho: que seus xotes e baiões fossem um dia gravados por Luiz Gonzaga. Ele enviou dezenas de cartas a Gonzagão, sem nunca obter resposta. 

O jornalista e pesquisador José Teles conta que o caboclo Marcolino alimentava o sonho de ver composições que fazia gravadas por Luiz Gonzaga. Morando no sertão da Paraíba, na divisa com Pernambuco, seu talento não muito além da região, dificilmente conseguiria chegar ao Rei do Baião, um mito nordestino, independente da moda do baião de ter passado no Sudeste, naquele começo da década de 1960. 

Zé Marcolino conseguiu ser gravado por Luiz Gonzaga. Mais que isso, fez turnê com ele, e chegou a morar em sua casa, no Rio de Janeiro.  

José Marcolino Alves, natural de Sumé, na Paraíba.

Quem escrevia as cartas para Luiz Gonzaga era um amigo de Zé Marcolino. O compositor encaixava no impossível a possibilidade de ser gravado por seu ídolo. No seu livro Vida, Versos e Viola (Fundarpe, 1990), Marcolino conta em detalhes como aconteceu o encontro com Luiz Gonzaga, e tudo começando com um sonho:

"(...) Eu sonhei que atirava num bicho e matava dois. Ao amanhecer eu disse para minha mulher: hoje eu vou à procura de um negócio e vou realizar dois". Naquele dia ele ia a Sumé receber o dinheiro de um boi que tinha vendido. Encontrou um irmão dele, Antonio Marcolino, que lhe contou que Luiz Gonzaga encontrava-se na cidade.

Zé Marcolino foi imediatamente ao hotel em que Lua estava hospedado. Na frente do hotel reconheceu Xaxado, o anão, que substituiu Catamilho, igualmente anão. O baiano Osvaldo Nunes Pereira, que Lua deu o apelido de Xaxado, e que também ficou conhecido como Salário Mínimo.

Xaxado lhe disse que era só espera que Luiz Gonzaga estava já descendo. Aconteceu um diálogo em que se debatem a ingenuidade de Zé Marcolino, com a casmurrice de Luiz Gonzaga. Seu Lua era de luas. Naquela manhã, ele não estava em boa lua. Marcolino se aproximou dele e falou:
- O senhor é que é seu Luiz Gonzaga?
- Sou, por quê?
- O senhor nunca recebeu cartas de José Marcolino Alves não?
- Sei não. Recebo muitas. O que era que diziam estas cartas?
- É que tenho eu tenho umas músicas de minha autoria que eu acho que dão certo pro senhor
- É ... O sertão é composto por homens inteligentes, mas quem sabe se estas músicas prestam?

Dizendo, um "Depois posso lhe atender", Luiz Gonzaga pediu licença e saiu. Zé Marcolino sentiu-se intimidado e inseguro com o tratamento recebido de seu Luiz. Mas insistiu. Foi falar com o prefeito para que ele o apresentasse a Gonzaga, mas o prefeito desconversou. Procurou um chefe político local, seu amigo, Viton Leite, que prometeu fazer a apresentação ao meio-dia. Na hora aprazada Marcolino foi ao hotel. Luiz Gonzaga ia chegando, com o juiz da cidade. A lua de Lua já mudara. Antes de Zé Marcolino falar, Gonzaga que falou. Disse que queria escutar as músicas. Sentaram-se os dois no saguão do hotel. Logo curiosos aglomeravam-se ao redor. Luiz pediu que Zé mostrasse as músicas. A primeira que cantou foi Sertão do Piancó (resposta a uma música gravada por Jackson do Pandeiro sobre o Sertão do Moxotó). Quando a música terminou, Luiz Gonzaga perguntou quantas ele lhe daria pra levar. Marcolino mostrou ainda Pássaro carão, e Serrote Agudo. 

Luiz Gonzaga levou para o Rio de Janeiro não apenas as composições, mas também o caboclo Marcolino.

Gonzaga disse-lhe que ia fazer uns shows, e que dentro de dois meses passaria para apanhá-lo. O Rei era de rompantes. Nem esperou que Zé Marcolino fizesse as malas e se despedisse da família direito (o que fez às lágrimas). No dia 18 de janeiro de 1962, no estúdio da RCA, Com Zé Marcolino no gonguê, Xaxado no triângulo, Aloísio (irmão de Gonzaga), no zabumba, Luiz Gonzaga gravaria o repertório Véio Macho. Metade das 12 faixas era de Zé Marcolino.

Ele participou da turnê de divulgação do disco, começando pelo Sul do país. Quando se dirigiram ao Nordeste, Zé Marcolino já estava decidido: não voltaria ao Rio. No xote Matuto Aperreado, gravado por Luiz Gonzaga, ele descreve bem como se sentiu na cidade grande: "Fico doido com tanta fala de gente/e a zuada de automóvel a me assustar/se na rua vou fazer um cruzamento/tenho medo, eu num posso atravessar/desse jeito, eu sou franco em dizer/mas um dia eu aqui não posso mais ficar".

No final da demorada turnê, no Crato. Ele pegou um ônibus para Campina Grande, e lá foi de táxi para a Prata, e logo estaria com a família.

Por ironia do destino, o matuto que temia atravessar as movimentadas ruas do Rio, morreu, em 20 de setembro de 1987, ao tentar desviar seu carro, de uma vaca que atravessava a rodovia, passava por Afogados da Ingazeira. Vinha com um filho, Ubirajara Marcolino, que foi hospitalizado, mas sem gravidade. Zé Marcolino, sofreu fratura na crânio, foi levado para o Recife, mas faleceu à altura de Vitória de Santo Antão, estava com 57 anos.

Entre as grandes e importantes contribuições do Quinteto Violado para a cultura pernambucana, e brasileira, está o LP Sala de Reboco, em que cumpriu o papel de acompanhantes para Zé Marcolino no que seria seu disco de estreia e o único que gravaria. Marcolino gravou com o acompanhamento de luxo do Quinteto Violado, com Toinho Alves na direção musical. 

As gravações foram realizadas no estúdio da Rozenblit, na Estrada do Remédio:
"Zé Marcolino era sempre muito disciplinado, já chegava ao estúdio com os arranjos já definidos. Toinho era muito exigente no aspecto. Então, acredito que trabalhamos duas semanas em estúdio. Montando as bases e mais uma semana para concluir, mixagem e edição final. Não lembro, mas acho que foi masterizado em São Paulo. Daí tivemos uma aproximação amigável e afetuosa com o poeta. Incluímos ele nos nossos shows daquele ano. Fizemos juntos o programa Som Brasil, com o Rolando Boldrin que ficou encantado com os causos matutos do Zé Marcolino", quem relembra a gravação do disco é Marcelo Melo, do Quinteto Violado, que dedicou, em 2010, um disco inteiro à obra do compositor.

"Nosso trabalho com a obra do Zé Marcolino foi tão importante, que resolvemos colocar na nossa série: Quinteto Canta", diz Marcelo Melo.

*Tributo a Zé Marcolino* 

Em terras paraibanas

Sumé foi a cidade

Que no ano de trinta

Teve a felicidade

De florescer o poeta

De alta capacidade

 

Lá na  pia batismal

Foi *José Marcolino* 

Teve infância  feliz

Bem criado o menino

Absorveu o sertão

Poesia foi seu tino

 

Com a *Sala de Reboco* 

Pôs o Brasil a cantar

Viu em  *Serrote Agudo* 

Belezas para recordar

E no *Fogo sem Fuzil* 

Forró pra gente dançar

 

Fazenda *Cacimba Nova* 

Poesia com  saudades

 *A  Cantiga de Vem Vem* 

Mostrou toda qualidade

E pediu *Eu Quero Chá* 

Foi pura vitalidade

 

Os sucessos, ecoaram

Na voz de muita gente

As letras, puro capricho

O bom gosto, permanente

A poesia, cristalina

Frutificava  a semente

 

Noventa e três anos, após 

Hoje, na eternidade

O poeta que transcende

Cultura de qualidade

Parabéns pelo trabalho

E pela sua genialidade

 *José Urbano é escrito-Caruaru Pernambuco

redação redegn Foto arquivo Ney Vital

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