Artigo - Eu preciso de você e você precisa de alguém?

30 de Nov / 2022 às 23h00 | Espaço do Leitor

Viver de forma harmoniosa com o ‘diferente’ não é uma tarefa fácil de ser executada à nossa sociedade, porque evidências de extremo preconceito deixam límpidas a grande falta de amor e respeito ao outro culminando na morte da alma e do corpo.

Conviver é saber viver com as virtudes e os erros alheios sabendo-se que tudo que a gente alimenta na vida pode crescer e por isso temos uma grande problemática a ser resolvida no que diz respeito ao aumento da desconsideração do real sentido da vida que é viver e deixar viver.  

Para o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, o significado da palavra preconceito compreende “fazer uma escolha ou emitir uma opinião antes de conhecer os fatos”. A compreensão sobre esse comportamento exige distinção entre discriminação e preconceito. A discriminação apresenta sentido literal ligado a “peneirar, separar” e faz referência ao ato de diferenciar, distinguir, estabelecer diferenças. A discriminação decorre do preconceito e atua na exclusão social ou mesmo no extermínio de vidas. Quando discriminamos estamos agindo com a força do preconceito. 

Os principais tipos de preconceito são: racial, religioso, cultural, social, estético, linguístico e sexual apresentando terríveis consequências à sociedade inviabilizando o direito saudável de conviver em paz. Definir precipitadamente a essência das pessoas potencializa as desigualdades que, na maioria das vezes, são travestidas de democráticas e seguras, porém, na realidade, oprimem as interações manipulando as mentes. O preconceito, mesmo que inconsciente, é a manifestação mais cruel de violência à sociedade capaz de enaltecer ideologias maléficas por meio da "Indústria Cultural Mundial". Essa violência resulta em isolamento social, falta de confiança e, consequentemente, profundo sentimento de culpa.

Essa culpa pode decorrer do hábito de definir coisas e pessoas sem ter conhecimento íntimo das diversas classes. O preconceito pode ser encontrado entre pessoas da mesma classe social, mas, também, é verificável em grupos distintos sendo repudiável porque causa dores profundas nas relações interpessoais. O pior preconceito é aquele que a pessoa tem dela mesma, porque fica mais difícil de suportar a inquietude do ser.

Estamos reclamando do quê? Estamos dando valor a quê? Quem é você? Para que você serve? Como você funciona? Esses questionamentos nos remetem a uma percepção mais consciente da realidade da vida impulsionando-nos a sermos seres mais participativos, em nossa existência, proporcionando discernimento e valorização justa de coisas e pessoas. A supervalorização de (sapato, joia, roupa, carro, casa, aparência do corpo e dinheiro) empobrece a espécie humana, da era da inteligência artificial, e coloca em dúvida a inteligência dos Homo sapiens.

Diante de tantos avanços na instrumentalização tecnológica é real a existência de sentimentos preconceituosos que exaltam o ódio e a falta de amor manifestando-se na forma de comportamentos deprimentes. São várias afirmações paupérrimas que envergonham qualquer civilidade e endossam a perpetuação de conceitos preestabelecidos das pessoas, coisas, situações e vivências. Como por exemplo:

- "Meus amigos e minhas amigas podem acreditar que uma pessoa semialfabetizada é incapaz de aprender qualquer coisa".

- "Todos nós sabemos que lugar de mulher trabalhar é na cozinha com um fogão a lenha o dia inteiro. Pode estudar e você vai perceber que o homem é sempre superior à mulher".

- “Aqui em casa meu filho Josielzinho não lava louça porque tem mais o que fazer. Lavar louça, roupa, varrer casa, fazer o almoço, preparar o mingau das crianças são tarefas exclusivas da minha filha mais velha Atanajudetina”.

- "Filha minha não casa com preto! É mais fácil eu morrer a aceitar um negro na minha empresa! Lugar de preto é na enxada! Lugar de negro é na África".

- "Eu sou jovem, tenho muito vigor, mas velho só presta pra dar trabalho à família dele!".

- "Você é gente boa, mas tem um grande problema: é baiano! Índio e baiano são preguiçosos e não gostam de trabalhar".

- "A maioria das pessoas que moram nas casas populares do Governo Federal são marginais!".

- "Vocês querem saber de uma coisa moçada? Prefiro mil vezes morrer a ficar deficiente!".

- "Na minha família temos sempre essa dúvida: preferência sexual é opção, promiscuidade ou doença?"

- "Não gosto de quem não frequenta a mesma denominação religiosa que eu. Uma pessoa que não acredita em Deus não tem alma, por isso não merece o meu respeito".

Essas frases desconcertantes e indelicadas são pequenas amostras da vida real e evidencia o que realmente estamos valorizando. Sigmund Freud, neurologista e psiquiatra austríaco, não poupou em dizer que "o preconceito é uma das mais eficientes e perversas estratégias de controle e exclusão social que se instala na irracionalidade da vida psíquica" valorizando o supérfluo em detrimento das pérolas.

Costumamos venerar as coisas sem valor (ofensas, calúnias, difamações, intrigas, desavenças, rancores, falsos amigos, maldades, traições, mentiras) sem nos darmos conta da brevidade da vida, bem como, da importância dos amigos e da família que são presentes impagáveis por nós.

Diante da pequenez, da espécie humana, e da necessidade de aprender em sociedade vale ressaltar que os erros e os acertos fazem parte das estratégias pedagógicas da vida. Aprendemos quando acertamos e também quando erramos. Quem só tolera os acertos desconhece as imperfeições da humanidade e nunca experimentou o choro amargo das decepções. Não adianta tentar controlar as pessoas para satisfação pessoal com intenção destrutiva porque a verdade, certamente, chegará com o tempo. Digo isso, porque quando estamos invigilantes praticamos preconceito e o nosso ego faz a festa prolongada.

Essa falta de vigilância contribui à culminância de diversos conflitos preconceituosos internos e externos dos seres humanos. De acordo com Crochík “à medida que a contradição entre sociedade e indivíduo se amplia, a contradição interna do indivíduo também aumenta”. A falta de discernimento contribui para o aumento das formas de preconceitos na nossa sociedade a ponto de enganar-nos cegamente. Como expressa Adorno "o preconceito vai se alastrando na sociedade, perpetuando e justificando até ações bélicas contra os grupos marginalizados". A exemplo dos grandes massacres a judeus, cristãos, ciganos, índios, comunidades tradicionais e outros grupos étnicos. 

As grandes ações preconceituosas são suportadas pelo hábito de opinar. O que observamos é que todo mundo quer dar a sua opinião independentemente de conhecer ou não sobre o assunto abordado. Opinião é uma ideia provisória e por essa causa Voltaire resumiu escrevendo que o “preconceito é opinião sem conhecimento”. Quando o conceito é carregado de ignorância, conforme afirma Carone “um conjunto de opiniões, crenças e atitudes negativas contra grupos socialmente discriminados são fundamentados no medo irracional. O medo é uma potente arma utilizada para manipulação em massa que impede as pessoas de serem felizes.

Na busca dessa felicidade vale relembrar que para vivermos melhor, às vezes, é preciso ceder. Engolir em seco e seguir em frente para adiante ser mais feliz. Tertuliano com sua perspicácia nos convida a pensar: "você quer ser feliz por um instante? Vingue-se. Você quer ser feliz a vida toda? Ame!". Quem escolhe é você. O que é melhor é estar certo ou ser feliz? Adoecer ou liberar o perdão? O que é melhor morrer todo cheiroso com perfumes caríssimos ou escapar fedendo dentro de uma fossa séptica? Lembre-se que quando guardamos rancor também guardamos o veneno dentro de nós. Perdoar é o melhor remédio para sarar as dores da mágoa, do rancor, desprezo, incompreensão que atuam como empecilho à conquista de uma vida melhor.

A chave para uma vida bem-sucedida é inerente ao gerenciamento da tríade humana: pensamento, vontade e sentimento. Na verdade, se queremos conquistar vitórias, é fundamental lembrar que a oposição vai existir, mas ela pode atuar como um ‘personal trainer’ para o crescimento pessoal possibilitando uma maior introspecção.

Essa íntima reflexão, do ser, faz-se necessário quando nos referimos a oportunidade de vivermos a verdadeira humanidade que é paz, amor, verdade, justiça e liberdade. Nesse ponto vale mencionar o que Kant deixou registrado: "uma sociedade pautada no preconceito é uma sociedade sem reflexão e sem razão". Essa cegueira é potencializada quando a população fecha os olhos e o coração às causas dolorosas do preconceito. René Descartes prudentemente nos orienta que "deve-se evitar toda ‘precipitação’ e todo o ‘preconceito’ ao se analisar um assunto e só ter por verdadeiro o que for claro e distinto". Fazer conclusões antecipadamente pode ser perigoso para todas as partes envolvidas porque um abismo chama outro.

O perigo desta relação é acreditar piamente no ego mentiroso que alimenta a soberba, a vaidade e a covardia inviabilizando a mudança do preconceito ao conceito verdadeiro dos valores humanos. Por isso, Albert Einstein fundamentou que "é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito" e Maquiavel relata que “os preconceitos têm raízes mais profundas que os princípios”, mostrando-nos como é complexa a aceitação da verdade. Jean-Jacques Rousseau, se expressa, em alto e bom som: "prefiro ser um homem de paradoxos que um homem de preconceitos".

A alienação não costuma fazer parte da vida de uma pessoa esclarecida pois o seu coração está sempre aberto a aprender, especialmente, a respeitar ao seu próximo com amor e alegria. Milton Santos foi categórico em destacar que “a má índole associada a falta de educação leva ao racismo, ao preconceito e até a marginalidade.” É a esse respeito que Luiz Fernando Sabino declara que “o preconceito e o racismo ainda existem, são evidentes em nossa sociedade. O que antes vinha estampado, hoje vive com máscaras.”

Portanto, considerando que ninguém consegue ser feliz sozinho vale à pena o investimento numa relação saudável e duradoura entre os diferentes. Para isso, é preciso pensar no bem-estar de todos e que cada um faça a sua parte para realização de sonhos assim como Martin Luther King "eu tenho um sonho. O sonho de ver meus filhos julgados por sua personalidade, não pela cor de sua pele" e Bob Marley com o seu jeito espontâneo de ser completou dizendo "não preciso ter ambições. Só tem uma coisa que eu quero muito: que a humanidade viva unida... negros e brancos todos juntos".

Josiel Bezerra - Professor de Biologia - Mestrando UPE (Universidade de Pernambuco) - Ciência e Tecnologia Ambiental.

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