Júri Épico reflete sobre cultura nordestina no campo jurídico

16 de Nov / 2022 às 08h30 | Variadas

Músicas, palestras e apresentações culturais nordestinas marcaram a terceira edição do Júri Épico (@júriepico), maior evento acadêmico e jurídico do Vale do São Francisco, que aconteceu nos últimos dias 11 e 12 de novembro. 

Em cada edição, o julgamento fictício traz personagens regionais. Os réus como João Grilo, famoso personagem de Ariano Suassuna, e o emblemático e também cangaceiro, Lampião, já foram julgados.

Este ano, o réu escolhido foi José Gomes de Britto, popularmente conhecido por Cabeleira, considerado o primeiro Cangaceiro foi registrado na história a partir da produção de Cordéis, já que no século XVIII não existia imprensa no Brasil. O protagonista se tornou o romance regionalista do século XIX, de autoria do autor cearense Franklin Távora.  Cabeleira ganhou fama de bandido cruel e temido na região de Pernambuco.

O Júri Épico é um projeto acadêmico coordenado pelo professor da UniFTC, Anderson Araújo, que também é advogado. O projeto contou com apoio dos alunos do curso de Direito da UniFTC e de outras instituições de ensino superior, juntamente com a Escola Superior da Advocacia de Pernambuco (ESA/PE) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/Petrolina).

Para o diretor artístico Thom Galiano, que participou também da primeira edição do projeto, neste ano o grande desafio foi apresentar e aproximar o público de uma personagem que estava distante do imaginário mítico do próprio nordeste, “Nós tivemos que criar ou recriar as personagens aproximando as temáticas da contemporaneidade, porque não havia muitas produções, então o maior desafio foi criar alguns personagens”, afirma o diretor.

O artista conta que, para cada personagem, tem algum tema relacionado a masculinidade, no caso da caracterização do Cabeleira que não existe nenhum registro concreto real, em termos de imagem, o diretor usou a criatividade para realizar um trabalho que desse mais sentido ao julgamento. “Se eu fosse ser mais fiel a história, no julgamento teria sido um ator careca, porquê era um hábito raspar a cabeça quando se prendia uma pessoa, para não proliferar piolho, então ao pensar na questão da temática do “masculino” me veio a ideia de convidar a atriz Monique Paulino para encenar e causar um estranhamento no público, se era uma mulher ou um homem, já que o pai de Cabeleira lhe imputou uma educação tóxica da cultura do cabra macho”.

Outro fato importante é a ausência da figura do pai que provocou diversas dúvidas no julgamento, já que, em muitos momentos, ele era citado e confundido com o filho Cabeleira, que estava sentado no banco do réu. “Retirei o pai de cena e ele se tornou um ser de quem se fala como uma espécie de pessoa fantasma que estava ali assombrando o pensamento do Cabeleira filho e de todo mundo. Então, isso é mais poderoso para evidenciar a ideia desse homem terrível”, declara Galiano.

O personagem médico buscou esclarecer aos jurados os termos técnicos e científicos traços do comportamento psicológico do Cabeleira, considerado um homem cruel pela sociedade foi inventado pela equipe artística, como importante testemunha de defesa no julgamento, com a intenção ser um contraponto.

Thom Galiano ainda pontua que no Júri Épico os atores têm um trabalho diferenciado do Teatro, porque o réu fica em cena por muito tempo, quase oito horas no palco atuando, em que ele precisa construir um personagem que seja crível que tenha um pensamento próprio e comprometido com a história e, ao mesmo tempo, possa improvisar, pois algumas perguntas são combinadas e outras não, no qual advogados e promotores geralmente realizam na hora. “É necessário o ator e atriz tenha a capacidade de improvisação grande e resistência, pois num julgamento a sensibilidade fica a flor da pele, afinal é um grande jogo”, conta.

Para o historiador e pesquisador da obra “Cabeleira”, Robério Santos, discutir esta produção é importante, porque traz questões do mundo jurídico e seus aspectos sociais, como o Cangaço e sua relação com o Estado, revelando as leis, as punições, a justiça e as injustiças. O Júri discute ainda os conflitos que envolvem a temática como o banditismo, as prisões e os julgamentos dos personagens. 

Ainda de acordo com Robério Santos, o Júri Épico 2022 foi um acontecimento interessante, pois pode perceber o crescimento do projeto, já que participou como consultor histórico em outras edições desde 2019. “Assim como nas outras edições, este ano acompanhei todos os preparativos tanto na teoria quanto na prática”, revela.

O pesquisador expressa que foi muito significativo ver os juristas citando sua obra fazendo homenagem e que este momento marcou sua carreira. “Eu fiquei tão feliz que não tenho como descrever, porquê passei grande parte da minha vida pesquisando este personagem que era praticamente desconhecido da história e agora vemos em carne e osso na minha frente, através da atuação de todos os atores e personagens. É algo inexplicável e incrível”, confessa. 

Para saber mais sobre os trabalhos do historiador segue o instagram de Robério Santos @ocangaçonaliteratura. 

O Júri Épico contou com a participação dos interpretes: Monique Paulino (@moniqueemcena), Benigna Areias (@benignareias), Juliene Moura @juhmourh, Zuleika Bezerra (@zuleikabezerra_), Raphaela de Paula (@raphaelakpm), José Lirio Costa (@joselirio), Severo Filho (@severofilho_). Auxiliando na dramaturgia Juliano Varela (@juliano_varela). Na direção artística do projeto, Thom Galiano (@thomgaliano) que faz parte do grupo de teatro do Vale do São Francisco fundado desde 2006, Trup Errante (@truperrante).

Redação: Moisés Cavalcante

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