Ensinos contextualizados visam novas oportunidades de empregos no São Francisco

27 de Sep / 2022 às 11h00 | Variadas

A última reportagem da série Caravana Nordeste Potência, que percorreu o Baixo e Submédio Rio São Francisco, para divulgar o Plano Nordeste Potência, conhecer e dar visibilidade a iniciativas inspiradoras para uma retomada do desenvolvimento de uma forma mais sustentável e inclusiva, traz um pouco das opções de formação para jovens e adultos com vistas aos mercados mais promissores na região, com destaque para as vocações agroecológicas e das energias renováveis.

A reportagem é de Maristela Crispim. Fotos de Alice Sales. Confira.  Ensinos contextualizados visam novas oportunidades de empregos no São Francisco

Escola Família Agrícola (EFA) é um modelo educativo desenvolvido no Brasil a partir de uma iniciativa francesa, com base na Pedagogia da Alternância, que valoriza a formação integral de alunos da zona rural de forma a harmonizar as demandas específicas da vida no campo com as do ensino e da profissionalização. O modelo francês que serviu de inspiração para as EFAs brasileiras foi articulado no início do século XX pelo padre Pierre-Joseph Granereau. Ele percebeu, em sua época, que os filhos de agricultores muitas vezes abandonavam os estudos por não encontrarem ambientes de ensino que considerassem as especificidades da vida que exigia muito tempo de trabalho no campo, da mesma forma que tendiam a migrar do campo para a cidade na medida em que avançavam na escolarização. A proposta alternava os tempos de estudo e de trabalho, daí o nome de Pedagogia da Alternância.

O pioneiro deste método no Brasil foi o padre italiano Umberto Pietrogrande, ativo no Espírito Santo na década de 1960, que se associou ao padre, também italiano, Aldo Lucchetta, que, na década de 1970, levou o modelo para a Bahia, onde promoveu uma grande expansão do movimento. Criado no período da Ditadura Militar, de início enfrentou diversas resistências. O padre Lucchetta chegou a ser perseguido e acusado de subversivo e comunista. Porém, com o passar dos anos, as EFAs ganharam aceitação no meio rural. Em 1982 foi criada a União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil (Unefab) e, em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) reconheceu as especificidades da educação básica no campo e orientou a adaptação dos currículos e práticas às realidades locais.

Além de promoverem a educação regular, seguindo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), estabelecida pelo Ministério da Educação, elas oferecem Ensino Técnico ou Profissionalizante em áreas como Agropecuária, Sustentabilidade, Agroecologia, Manejo Animal, Agricultura e Agroindustrialização, mas há uma grande diversidade de disciplinas e práticas pedagógicas, dependentes do contexto de cada local.

QUATRO PILARES:
O desenvolvimento do meio, buscando despertar o interesse e engajamento das comunidades e propiciando a formação dos estudantes, encarecendo o desenvolvimento de uma consciência crítica e de uma identidade própria, e o fomento aos recursos locais como base de atividades geradoras de emprego e riqueza
O associativismo local, capacitando as comunidades para se organizarem para formar uma associação mantenedora das escolas e assumirem o controle do processo de construção e gestão da educação
A Pedagogia da Alternância, que promove um diagnóstico das demandas específicas de cada comunidade e incentiva a integração das vivências familiares com as atividades escolares
A formação integral, enfatizando o atendimento dos objetivos dos Planos Curriculares Nacionais ao mesmo tempo que dando meios de desenvolver e aproveitar saberes vernaculares.

NO CONTEXTO DA CAATINGA: Ailton Ferreira dos Santos, 47, foi aluno da primeira turma, diretor e hoje é monitor da EFA Sobradinho (Efas), no sertão baiano. Ele conta que o surgimento da Efas foi uma vitória para os jovens porque, na década de 1980, sua e de diversas pessoas das comunidades, não tinham condições de manter o filho estudando na cidade ou de pagar para ele ir e voltar. Então muitos jovens da sua idade faziam até a quarta série e paravam de estudar.

Mas a EFA de Sobradinho surgiu num contexto mais específico ainda, do deslocamento das famílias para a construção da barragem. Ailton conta que, quem vê hoje o Lago de Sobradinho, grandioso, com uma estrutura bonita, não desconfia da história por trás: “onde é o lago era cheio de casas, cidades que hoje estão debaixo d’água. As famílias foram tiradas das suas terras e levadas a 50 quilômetros, caatinga dentro, para outras cidades, outros locais. Tem até a música do Sá & Guarabyra, ‘Sobradinho’, que conta um pouco dessa história”:

Sobradinho (Sá & Guarabira)
O homem chega e já desfaz a natureza
Tira gente, põe represa, diz que tudo vai mudar
O São Francisco, lá pra cima da Bahia
Diz que dia menos dia vai subir bem devagar
E passo a passo vai cumprindo a profecia
Do beato que dizia que o sertão ia alagar

E o sertão vai virar mar, dá no coração
O medo que algum dia o mar também vire sertão
Vai virar mar, dá no coração
O medo que algum dia o mar também vire sertão

Adeus Remanso, Casa Nova, Sento-sé
Adeus Pilão Arcado vem o rio te engolir
De baixo d’água lá se vai a vida inteira
Por cima da cachoeira o gaiola vai subir
Vai ter barragem no salto do Sobradinho
O povo vai-se embora com medo de se afogar.

“Esse sofrimento sensibilizou muita gente e aqui a Igreja Católica na época era forte nos movimento sociais. Dom José Rodrigues foi um dos pensadores da escola para atender esses filhos de agricultores e agricultoras que tinham sido arrancados do seu lugar. O pessoal do Irpaa (Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada) se juntou à paróquia local nessa luta. Em 1987 a Diocese comprou o terreno com fundos arrecadados na Alemanha. A inauguração foi em 1990, com o Ensino Fundamental. Na época era mantida por esses grupos da Alemanha. A partir de 2008 esses grupos decidiram não mais ajudar. Antes era administrada pela Uasa (União das Associações de Sobradinho e Arredores ). Hoje é gerida por uma Amefas (Associação Comunitária Mantenedora da Escola Família Agrícola de Sobradinho). E foi criada a Refaisa (Rede das Escolas Família Agrícola do Semiárido). Na Bahia são duas redes e 36 EFAs. Temos um convênio com o Estado. Mas não tem uma garantia de governo para governo”, relata.

Para ele, ser um aluno de EFA já foi um diferencial com jovens de várias comunidades vindo para morar na escola: “a Pedagogia da Alternância proporciona isso. Passar 15 dias na escola, estudando, aprendendo técnicas, tudo ligado à agricultura, pecuária, para não perder o foco das atividades da família e retornar para casa e tentar colocar em prática o aprendizado da escola. Voltar para trabalhar como monitor, como professor já foi algo diferente: “Não tinha isso de eu sei tudo da escola porque fui aluno. Vamos garimpando, aprendendo uma coisa a cada dia. É gratificante ver a escola nascer e se desenvolver”.

Quando terminou o Fundamental, conseguiu bolsa de estudo, incentivado pelo Irpaa, com projetos apoiados por entidades estrangeiras, para fazer o Ensino Médio, morar em república, pagar passagem e alimentação. Fez o curso técnico. Só conseguiu fazer a graduação já trabalhando na escola. Cursou licenciatura em Geografia na Faculdade de Formação de Professores de Petrolina (FFPP): “Foi muito desafiador. Mas isso só nos fez valorizar ainda mais a oportunidade”.

No começo da Efas, o princípio era fixar o jovem no campo. Mas o tempo passou e hoje o jovem fica no campo se achar que é viável. O Ensino Fundamental é uma base, introdução. E o Ensino Médio é um pouco mais de construção e consolidação. Para isso são usadas as mediações pedagógicas. O estudante desenvolve o Projeto Profissional do Jovem (PPJ), que não é só ligado às atividades agropecuárias. Pode ser comércio, salão de beleza, outras profissões que pode desenvolver: “saímos desse princípio de fixar no campo. O jovem pode ir para onde consegue ocupar espaços. É a luta pelos direitos que foram negados durante muito tempo. O jovem vai em busca do seu sonho. Se ele luta nos movimento sociais, procuramos envolvê-los nisso”.

Um ponto desafiador é o da transição agroecológica. Ailton explica que a escola está bem ao lado de uma propriedade do agronegócio e que ainda há a questão do emprego: “a escola está numa uma região, num contexto em que o agronegócio domina. É como se nós fossemos uma formiguinha e o elefante passando toda hora em cima de nós. O Vale do São Francisco é uma região de agronegócio. Mas incentivamos os projetos de Agrocaatinga, de hortas comunitárias, nessa linha agroecológica. Não confrontamos. Mas tentamos conscientizar as pessoas do que é importante para a saúde, para o meio ambiente, a importância de consumir hortaliças 100% livres de agrotóxicos. Temos agricultores familiares que trabalham mais numa linha agroecológica, mas temos agricultores familiares que trabalham como se fosse agronegócio. Eles usam adubo químico, agrotóxico. Mudar não vamos conseguir. Mas usamos mediações pedagógicas, planos de estudo, para discutir esses temas nas comunidades”.

Hoje são 175 alunos divididos em dois períodos: “a maioria desses estudantes tem uma horta em casa, cria galinha, ovelha ou abelha, desenvolve projeto de fruticultura. Muitas famílias já comercializam. O trabalho surte efeito a partir do momento em que as famílias conseguem se alimentar bem, com um alimento saudável e o excedente que elas não consomem, levam para uma feira e geram renda. Trabalhamos com o pé no chão. Ninguém vai enriquecer, mas vai viver bem”.

Pensando assim, o monitor explica que a área da escola é dividida em 16 setores produtivos, como o galinheiro e o matrizeiro, plantas medicinais, horticultura, pomar, casa de ração, de área de forragem, todos pensados para a realidade do jovem: “não usamos tecnologias avançadas, mas sempre com foco em algo que seja acessível na comunidade. A Pedagogia da Alternância se une à convivência com o Semiárido. Bebemos muito da fonte do Irpaa, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), para contextualizar o ensino. Todos pensados para a preservação. Temos reúso, por exemplo. A água das pias, chuveiros, as águas cinzas são reaproveitadas. O Agrocaatinga é um sistema que tenta imitar o modo de produção da Caatinga. São plantadas espécies comestíveis e não comestíveis da Caatinga, aroeira, umbu, catingueira e intercalamos com frutíferas, como acerola, manga, limão”.

Os setores produtivos funcionam como um círculo: “as hortaliças, a parte comestível, cenoura, beterraba, essas coisas vão para a cozinha, para a alimentação dos estudantes. O que sobra, não é aproveitado na cozinha, vai para alimentação dos animais. O esterco dos animais vai para a produção de composto, para ser utilizado de volta na horta, no pomar, para os proprietários. E eles vão passando por todo esse circuito e conhecendo todos os processos, fazendo essa interligação”.

Pomar com plantas nativas da Caatinga de baixo porte. À esquerda, em primeiro plano, há uma placa com os dizeres: Agroka'atinga
Agrocaatinga é um sistema produtivo que tenta imitar o modo de produção da Caatinga | Foto: Alice Sales
O currículo é chamado de Plano de Formação: “tem todas as mediações pedagógicas, são mais 26. Os temas são pensados com as famílias e a equipe de monitores para serem trabalhados durante o ano. O que faz contextualizar os conteúdos é o sistema de plano de estudo. Um questionário é respondido na comunidade e as disciplinas, de Português, Matemática, Geografia… trabalham primeiro em cima da realidade dos estudantes, das comunidades. Pegamos no livro o que se aplica ao conteúdo ligado ao plano de estudo, sem perder conteúdo para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Tem também as disciplinas técnicas, como Zootecnia e Agricultura”.

SUPERAÇÃO PARA ESTUDAR: 
Maria Assucena Silva dos Santos, 21, de Remanso (BA), morava em Minas Gerais e estava sem saber o que queria da vida. No fim de 2018, foi visitar a irmã, em Pilão Arcado (BA): “ela me mostrou os posts da escola e eu fiquei encantada. Eu não gostava de nada disso, fui criada na cidade toda vida, não tive muito contato com animais, nem com plantas. Quando cheguei aqui eu falei com minha mãe que ia ficar em Pilão e ir para a escola. Em 2019 eu entrei. Minha mãe duvidou que eu ficasse. Mas estou aqui até hoje”, conta.

“A pandemia foi o pior momento, não só para mim, mas para todos os colegas, mexeu muito com a minha mente. Em 2020 eu fiquei grávida e tem sido muito difícil. Pensei em desistir, achava que não dava conta. O meu marido me apoiou. Eu refleti que eu queria dar um futuro bom para o meu filho e que tudo dependia de mim. Meu maior desafio até hoje está sendo esse. Eu me considero uma guerreira. Ter um filho e estudar em Efas exigem muito. Mas não vou desistir. Já passei por muita coisa. Estou aqui para mostrar que sou capaz e não podemos jamais colocar a culpa nos nossos filhos. Ele depende de mim e não pediu para nascer. Precisa de mim, mas eu preciso dar um futuro bom para ele”, declara a estudante.

Sobre o futuro, diz que quer ser engenheira agrônoma e professora da Efas: “a escola me moldou de uma forma que é inexplicável, me mostrou que, para ser alguém na vida, eu não precisava pisar em ninguém. Hoje eu sou irreconhecível. A Escola me mostrou novas possibilidades de viver. Na cidade, só pensa em trabalhar, ganhar dinheiro e pagar conta. A Escola me mostrou muito mais, troca de experiência, convivência com a seca, me transformou em outro ser humano”, revela.

O sonho de Wilson sempre foi estudar. Foi muito difícil retomar. Mas conseguiu e já está quase terminando | Foto: Alice Sales
Wilson Sousa, 38, de Campo Alegre de Lourdes (BA), também tem história de persistência para contar: “o meu sonho era estudar e não tive a oportunidade. Sempre foi difícil. Em 2013 eu optei por desistir. Tinha feito só até a 8ª série. Em 2018, um primo me falou dessa Escola Família Agrícola de Sobradinho, que era um ensino diferente. Eu não sabia que ia ser tão difícil chegar até aqui. Mas quando eu vim para a semana de adaptação já houve uma transformação em minha vida. Eu vi um horizonte brilhante que eu podia trilhar e que poderia realizar o meu sonho de terminar os estudos como técnico agropecuário, uma área que vivenciamos, a nossa rotina diária”.

E continua: eu quase desisti no início por falta de condições para chegar até aqui. Em 2018 e 2019 eu levava quase três dias para chegar. Eu dormia em Campo Alegre de Lourdes, no sábado dormia em Remanso (BA) e no domingo eu chegava aqui. não tinha dinheiro para chegar aqui. Meu patrão me ajudou em 2018 e 2019. Em 2020 a escola fechou por causa da pandemia. Com o retorno, em 2021, surgiu um transporte e já estou sentindo o cheirinho do final, já apresentei o Projeto Profissional do Jovem. Agora só falto o TCC”

E finaliza: “o meu sonho, que eu pensava que era impossível, está sendo uma realidade para mim com um aprendizado riquíssimo, um conhecimento que não será roubado. Eu estou muito realizado. Algumas práticas já levo daqui para casa. O PPJ é um projeto prático. No caso de sair daqui e não arrumar um serviço, não ter um mercado para trabalho, dentro do meu projeto é possível me manter. Mas eu pretendo aprofundar, fazer licenciatura para entrar em sala de aula como professor de História para contextualizar mais esse conhecimento”.

ROTINA: Lançado no dia 26 de junho de 2022, o Plano Nordeste Potência traz recomendações para o setor público e o privado para promover o desenvolvimento verde, inclusivo e justo da região, com base em fontes como o vento, o Sol e a água. O documento destaca que, além de benéficas para o clima, as fontes renováveis de energia podem ser boas para as pessoas por gerarem mais empregos do que as energias de origem fóssil. Considerando as outorgas concedidas para a geração eólica e solar continental e o crescimento da solar descentralizada, há potencial de criação de 2 milhões de postos adicionais de trabalho no Nordeste, segundo cálculo baseado em dados da Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena).

E esse número deve aumentar com o crescimento previsto pelo mercado solar, muito maior que o outorgado por conta da contribuição das instalações distribuídas (de pequeno porte) e dos projetos eólicos offshore em desenvolvimento, ainda sem outorga. A demanda por mãos de obra qualificada na área não para de crescer.

Ketlyn Sabrine da Costa Leandro, 17, é uma das cinco mulheres da turma de 35 do 6º e último semestre no Ensino Médio integrado com o Técnico, na área da Eletrotécnica, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (IF Sertão – PE) – Campus Petrolina e é estagiária de uma empresa especializada em energia solar desde o começo de 2022.

A estudante acorda 4h30 e só volta para casa às 20h, de segunda a sexta. De Sobradinho (BA), onde reside, segue viagem para estudar em Petrolina (PE) e estagiar em Juazeiro (BA) e foi a primeira pessoa da família a se interessar pela área elétrica: “Eu tive a oportunidade de fazer o curso técnico no Instituto e, entre as opções, eu senti que me identificava com a área da elétrica, algo me dizia que era para mim. Até a metade do curso eu ainda ficava aquela insegurança. Mas eu gosto muito mesmo”.

Sobre o ingresso no mercado de trabalho, ela conta: “É uma experiência muito boa. Por muito tempo eu quis estagiar na área, sempre quis me introduzir logo no mercado e estou conseguindo. Tem aquela rotina de estudante. Ainda não terminei. É um pouco cansativo. Mas é muito gratificante porque a cada dia que passa adquiro mais um conhecimento. Eu pretendo ir para o mercado de trabalho como assalariada mesmo, continuar na área, expandir meu conhecimento em renováveis e cursar Engenharia Elétrica. É gratificante quando se leva em conta um amplo conhecimento que se adquire, em diversas áreas”.

E projeta o futuro: “Daqui a cinco anos eu quero concluir minha graduação, na Universidade Federal da Bahia (UFBA) ou Univasf (Universidade Federal do Vale do São Francisco), em Juazeiro e expandir meus conhecimentos para outras áreas, até achar uma que eu sinta que é para mim. As renováveis me chamam muita atenção. Mas tem algumas áreas que eu gostaria de experimentar. Tenho muita curiosidade. Daqui a dez anos eu me vejo formada, no mercado de trabalho e aproveitando um pouco a vida, mais do que eu estou aproveitando agora, aos 17 anos, com essa rotina muito cansativa. Ir para três cidades no mesmo dia restringe uma adolescente de alguns prazeres, mas, quando eu levo em consideração que, daqui a alguns anos vou ter conhecimento, uma vida profissional, tira um pouco daquela tensão de que não estou aproveitando a vida”.

“Aqui no Instituto, o Ensino Médio integrado com o Técnico, na área da Eletrotécnica, são várias áreas de atuação. A de renováveis é apenas uma das partes. Mas tem instalações elétricas, projetos, máquinas, transformadores, sistemas de proteção. É muito amplo. O foco realmente é nos preparar para diversas áreas de trabalho. Algumas matérias preparam mais para a indústria, outras para a eletrônica. Essa versatilidade pode dar muitas oportunidades de emprego e também de acordo com a vontade, vocação, identificação. Dentro dessas possibilidades, hoje, o que que atrai mais é a eólica e manutenção de subestação na área de distribuição de energia elétrica, no caso nas concessionárias, finaliza.

TRAJETÓRIA SOLAR: 
“No Campus Petrolina, a instalação de uma mini usina solar possibilitou uma economia de R$ 1 milhão para R$ R$ 500 mil”, informa Ricardo Maia, coordenador do Programa de Ensino Técnico de Jovens e Adultos (Proeja) no IF Sertão – PE – Campus Petrolina. Ele destaca que pessoas físicas também podem acessar esse tipo de benefício com um investimento de R$ 10 mil e uma taxa de retorno de 4 anos, quando começa a usufruir de até 90% de desconto na conta de energia elétrica. O professor também nos dá um breve panorama do desenvolvimento desse tipo de energia na região.

“No fim do século XIX começam os primeiros experimentos com elementos que reagem à energia solar. Do ponto de vista comercial, tivemos um entrave no Brasil muito grande de ter potências muito baixas nos painéis solares, que ocupavam áreas muito grandes para gerar pequenas potências. Além da limitação dos equipamentos da época, não existia o sistema on grid. Usava em tempo real e tinha que guardar numa bateria e eram muito caros os equipamentos”, conta.

Maia destaca que, quando foram dominadas as técnicas de fabricação do silício, houve um barateamento geral, um aprendizado no transporte desse equipamento, do ponto de vista logístico das empresas, quando se diminui o peso da carga total e se começa a ter mão de obra mais qualificada. “Há 25 anos, se quisesse instalar um ponto desse em Petrolina, provavelmente teria que trazer um engenheiro eletricista de São Paulo, pagar as passagens de avião, diária, para fazer uma ligação de quatro, cinco, seis painéis solares residenciais a um custo altíssimo, não só do painel em si, mas da mão de obra especializada, já que era uma novidade no Brasil. Hoje muito mais pessoas estão capacitadas e habilitadas e o mercado está muito amplo”, explica.

Segundo ele “há muito a contribuir no processo de alocação, colocação no sistema, de como melhorar a eficiência do equipamento, se vai ficar virado para o norte ou oeste, em que tipo de telhado ficaria melhor, de cimento, cerâmico. Há muito estudo ainda, principalmente na nossa região, onde se pode levantar dados e guiar os próximos lançamentos para que eles possam ter uma eficiência melhor”.

Para definir a área, segundo suas informações, é preciso considerar tudo que se precisa em termos de instalação e manutenção. Quando se fala em residência, o motivo de usar o telhado é que normalmente não há passagem. Como não pode ter sombreamento nas placas, quanto mais alto o local, mais evita o sombreamento do vizinho, do carro, de pessoas. Quando se fala de ambiente controlado, como uma usina, elas podem ser colocadas abaixo de dois metros de altura com uma segurança melhor e que facilita a limpeza, em uma região normalmente mais afastada, que não tenha problemas com sombreamento.

Há uma questão importante: Não pode ter nenhum tipo de árvore que ultrapasse a altura do painel porque o painel não pode ter nenhum tipo de sombreamento: “se tiver uma folha caída em cima do painel já provoca um ponto quente. A primeira pergunta a ser feita é: a usina é necessária? Qual é a vantagem? Equilibrar. Desmatar para instalar uma solar ou manter uma termelétrica? A termelétrica, quando está funcionando com seus quatro motores, é um carro diesel bruto em sequência. É chegando o tempo todo carro-pipa para ligar o equipamento. É possível mitigar aquele desmatamento. Essa análise tem que ser feita. Se colocar acima da vegetação ela vai morrer. Se coloca abaixo não adianta por causa do sombreamento. Ou se pode aproveitar áreas já degradadas, com erosão, salinização”.

Sobre geração distribuída e a centralizada, ele pondera que normalmente é um fundo de investimento que investe nesse tipo de usina e procura sempre uma boa taxa de retorno: “para eles é mais viável concentrar em uma usina do que tentar reunir cinco mil pessoas aptas a financiamento para ter uma taxa de retorno parecida. Normalmente, quando uma pessoa instala em sua residência, não quer só alugar, quer ter uma economia na conta de energia. Para que fazer esse investimento para vender energia? Se pensar no Brasil como um todo, a distribuída é uma ideia interessante para se ter a energia que se precisa. Para quem está financiando não é interessante. Inclusive algumas linhas de crédito são com taxa quase zero. Para o banco não é a carta de crédito principal, apesar de eles fazerem”.

“Precisaria de um programa nacional, como houve o Procel (Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica), que visasse ampliar a matriz energética e focar em distribuída. Se pegar 50 milhões de residências no Brasil e tirar um único watt, um LED, volta a injetar 50 megawatts. É muita potência. Qualquer energia economizada na residência é benéfica quando se concentra. Por isso os programas de troca de iluminação. Quando as pessoas, mesmo sem perceber, trocam aquela lâmpada de 15 watts por uma de nove, a diferença é seis watts. Seis numa casa não é nada. Mas, somadas, vai precisar de muito menos energia naquele horário de pico. Essa corrente, de que se pode manusear isso de forma ampla, ganha força. Por que não falar da geração? Não só fazer economia, mas gerar e contribuir. A discussão é válida. Mas estamos falando de grandes empresas que fazem grandes investimentos e uma pessoa que hoje está com dificuldade de se alimentar na maior parte do Brasil. As pessoas estão sem casa própria e sem essa capacidade de investimento”, reflete Maia.

Com a ampliação desse mercado de solares, surge outra preocupação. Já começam a aparecer equipamentos obsoletos. O que fazer com eles ao fim da vida útil? “Começam a surgir empresas específicas para tratamento desses resíduos. O que fazer com o fio, a esquadria, vidro, silício? São materiais de baixo valor. Se discute hoje transformar de energia numa queima controlada, usar o farelo como aglomerante para a construção civil ou asfalto. Muito se discute e pouco se faz. Há uma ampla discussão na academia. Não há um só projeto no mestrado ambiental na UPE (Universidade de Pernambuco) que não tenha o capítulo do resíduo. Uma pessoa em si não vai conseguir dar conta desse resíduo de 12, 14 placas residenciais. No princípio da responsabilidade da Política Nacional de Resíduos Sólidos de retornar para o fabricante tem a questão da durabilidade do equipamento e da empresa. Como cumprir uma garantia de 20 anos, se a empresa falir em cinco?”, questiona o pesquisador.

Empresário pautado nos estudos-Robério Aguiar Galdino, 34, nasceu em um pequeno povoado, chamado Angical, em Irecê (BA), filho de um casal paraibano, agricultores e analfabetos. Sempre trabalhou para ajudar a família. Aos 7 anos, já se levantava às 5h da manhã para vender pão, estudava pela manhã, vendia doce, picolé, frutas e verduras no período da tarde e ainda ia para a roça com o pai e o irmão mais velho, para ajudar.

Na quarta série, descobriu o seu gosto pela Matemática e pelos estudos. Ganhou diversos livros do professor e já estudava assuntos de outras séries. Mas na adolescência acabou se desviando um pouco e desistiu no 2º ano duas vezes consecutivas. Foi para São Paulo, em 2005 para trabalhar em um ferro velho. O trabalho não deu tudo certo e teve que sobreviver um tempo catando materiais nas ruas. Resolveu voltar para a casa dos pais e voltar a fazer o que gostava, estudar.

Em 2005 mesmo voltou e foi trabalhar na roça até retomar os estudos, em 2006, quando foi para a semifinal da Olimpíada Baiana de Matemática. No 3º ano, pediu ao seu pai para sair da roça, para que pudesse estudar o dia todo. Fazia curso pré-vestibular pela manhã e estudava o 3º ano à tarde. Ainda trabalhava na roça, mas apenas os fins de semana e feriados para juntar dinheiro e fazer as excursões para fazer os vestibulares que pretendia. Em 2007 fez vestibular na Paraíba e em Juazeiro (BA). Não obtendo êxito em nenhum. Seu pai queria mandá-lo para a roça novamente. Mais uma vez ele pediu para ser dispensado da roça para que pudesse estudar. Conseguiu estudar e em 2008 e passou para a Engenharia Elétrica na Univasf, em Juazeiro.

Sua trajetória de universitário começou já em 2008 e nunca foi fácil. Seus pais sempre se esforçaram para ajudá-lo a se manter nos estudos, mas a vida fora da cidade e em casa de estudantes, longe dos pais, traz muitos custos e responsabilidades. As bolsas na faculdade ajudaram no curso. Durante sua trajetória na universidade se envolveu com movimentações estudantis. Chegou a fundar o Ramo Estudantil IEEE (Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos), o Diretório Acadêmico de Engenharia Elétrica (DAEE) e a Empresa Júnior de Engenharia Elétrica (Energize JR.).

Se formou em 2015. Ficou um ano desempregado e, nesse período, se dedicou ao estudo para concursos. Em 2016, passou no concurso para professor substituto no IF Sertão Petrolina. Um ano depois, passou também para o concurso de professor substituto no curso de Engenharia Elétrica a Univasf. Após o prazo de professor substituto (dois anos em cada instituição), passou no processo seletivo da Faculdade de Tecnologias e Ciências de Pernambuco (FTC), na qual lecionou por quase dois anos.

Em 2019, resolveu trabalhar no campo, como Engenheiro Eletricista. Entrou na empresa Eletrovasf Eletrotécnica do Vale do São Francisco, inicialmente como gestor da equipe de engenharia e execução. No mesmo período firmou uma sociedade com os donos da empresa e, enquanto gerenciava a Eletrovasf, já estava estruturando sua nova empresa, a 4SE Engenharia, empresa focada em energias renováveis. Em 2022, saiu da Eletrovasf e, como sócio diretor, passou a se dedicar à 4SE Engenharia.

Como empresário, ele acredita que as Energias renováveis, no vale do São Francisco, assim no Nordeste e no Brasil, estão apenas começando sua expansão. Hoje, só para a energia solar, sua empresa já conta com quase 20 colaboradores; “a demanda de novos serviços e novos colaboradores está numa curva exponencial”.

Para 2023, já tem novos projetos de energias renováveis para a região, inclusive projetos que são mais explorados fora do País, apesar de termos muito potencial aqui. Para ele, essas novas aplicações de outras fontes de energias renováveis e eficiência energética, irão gerar milhares de empregos só na região, trazer muitos benefícios para o meio ambiente e ainda irão aquecer o mercado do agro, já que esses empresários terão reduções significantes nos seus custos com energia.

Além de empresário no ramo das energias renováveis, ele voltou a lecionar no IF Sertão Petrolina e mantém uma página de Matemática Isolada para concursos públicos (Instagram @mi_concursos e YouTube MI Concursos). Seu principal objetivo com esse projeto é levar conhecimento de Matemática de forma acessível para todos e esclarecer sobre concursos públicos. “Incentivar o próximo a estudar e acreditar nos seus sonhos me deixa muito feliz e completo”, finaliza.

Casado, hoje mora em Petrolina, terra pela qual é apaixonado. Seus pais continuam morando no mesmo povoado onde nasceu, felizes e realizados pela trajetória que ele seguiu, pois, de todas as gerações das famílias, paterna e materna, ele foi o único que conseguiu estudar e se formar, é o único engenheiro eletricista do lugar onde nasceu, assim como o único formado por uma universidade federal.

Caravana Nordeste Potência
A Caravana Nordeste Potência, entre 29 de agosto e 9 de setembro, percorreu 2.830 quilômetros, por diversos municípios de Alagoas, Bahia e Pernambuco, ouviu populações tradicionais, pesquisadores e outros atores que ajudam a compreender o processo de construção do que hoje é a Bacia do Baixo e Submédio do Rio São Francisco e como a região pode se desenvolver de forma menos impactante, ao considerar seus potenciais, um grande alerta para os candidatos aos governos da região e de todo o País.

A equipe foi composta pelas influenciadoras digitais Luiza Allan, de Aracaju (SE), e Megh Melry, de Manari (PE), como porta-vozes; e por representantes da Apply Brasil, na coordenação; Jacaré Vídeo, de Recife, na produção audiovisual; e Eco Nordeste, na cobertura. O objetivo foi contribuir para a divulgação do Plano Nordeste Potência, que preconiza o desenvolvimento verde, com a recuperação do passivo socioambiental e a ampliação das fontes de energia renovável de forma justa e inclusiva na Bacia do Baixo São Francisco e no restante do Nordeste.

O Plano Nordeste Potência é resultado de uma coalizão de quatro organizações civis brasileiras: Centro Brasil no Clima (CBC), Fundo Casa Socioambiental, Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) e Instituto ClimaInfo, com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS).
 

Agencia Eco Nordeste/Maristela Crispim Foto Alice Sales

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