Uma pesquisa feita pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) mostrou que quase metade dos lares liderados por mulheres negras sofrem algum grau de insegurança alimentar. Já na maioria dos domicílios chefiados por homens brancos, não falta comida.
Há 5 anos a vendedora Marise Santana não tem a carteira de trabalho assinada. A reciclagem e a venda de queimados são os "bicos" que ela conseguiu fazer para manter a casa e o irmão doente que não anda. A maior parte do dinheiro que ela tem é usado para comprar remédios e fraldas.
"A passarinha é mais barata, era R$ 8, a gente encontra de R$ 10. A língua também era mais barata, mas agora está um pouquinho carinha", disse a vendedora.
Segundo Marise Santana, a alimentação muitas vezes fica em segundo plano. Para ela, tudo é muito caro.
"Se faltar o leite, a gente vai para o remédio e deixa o leite para depois. Se faltar a fruta, mas tem que ser o remédio sempre porque o remédio está em primeiro lugar", contou Marise Santana.
Assim como a vendedora ambulante, em Salvador, quatro de cada 10 famílias vivenciam algum nível de insegurança alimentar (40,9%). O levantamento feito entre 2018 e 2020 mostrou ainda que 9% dessas famílias sofrem com insegurança alimentar severa, quando falta comida na mesa.
Eunice dos Santos tem 72 anos e criou 10 filhos com o dinheiro que ganhava após lavar roupa e como auxiliar de obras. Já chegou a deixar de comer para garantir o alimento de todos.
"Vamos vender uma folha, vender um jornal importante, que tenha o pão de cada dia para os filhos. Para que ele não queira colocar as mãos no que é dos outros, porque o que é dos outros não cabe nas nossas mãos", afirmou Eunice.
De acordo com a baiana, a falta de comida em casa faz com que algumas pessoas procurem o crime. "A fome é inimiga da morte", disse.
Quando os dados de gênero e raça também são analisados, fica mais fácil entender essa realidade. A pesquisa mostrou também que os lares comandados por homens brancos em Salvador são os que menos passam pela insegurança alimentar.
Mais de 74% desses lares não tem qualquer problema para comer. O levantamento pesquisou cerca de 14 mil domicílios em diferentes bairros da capital baiana.
Os maiores índices de insegurança alimentar foram encontrados nas ilhas de Maré (83,5%) e de Bom Jesus dos Passos (74%), além do Calabar (71,2%). Os bairros com os menores percentuais são o Itaigara (5,9%) e o Caminho das Árvores (6,9%).
Em Salvador, quase metade dos lares chefiados por mulheres negras sofrem com insegurança alimentar de grau leve, moderado e até grave.
A Central Única de Favelas tem centenas de famílias cadastradas para o recebimento de cestas básicas só no bairro de Coutos, no subúrbio ferroviário. E, os coordenadores viram a situação da insegurança alimentar piorar durante a pandemia da Covid-19.
Aposentada e com câncer, Neuza Souza é quem mantem a casa onde mora. Ela sente a cada dia que o benefício compra menos no mercado e fica cada vez difícil manter uma dieta saudável.
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