Com diversidade, a literatura de cordel baiana vive excelente momento

02 de Aug / 2022 às 23h00 | Variadas

Da vida comum aos mundos fantasiosos, da comédia aos fatos diários, passando por biografias e outras homenagens. Tudo isso faz parte da literatura de cordel, que abraça vários mundos em seus versos, impressos em folhetos e pendurados por feiras em todo o mundo, ou apenas publicados em blogs e redes sociais.

As estrofes em décimas, sextilhas, setilhas, martelo agalopado e galope à beira-mar fazem parte do imaginário popular há muito tempo, tendo recebido o título de Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1º de agosto de 2018, data do Dia Nacional do Cordel.

O marco desse bem cultural no Brasil data de 1893, de acordo com especialistas. Foi o paraibano Leandro Gomes de Barros quem teria publicado os primeiros versos no país. A literatura de cordel conjuga oralidade, poesia e prosa na sua origem e hoje é parte intrínseca da identidade e cultura brasileiras.

Associados às xilogravuras, que são as ilustrações das histórias estampadas nas capas dos folhetos, os textos são marcados por três elementos principais: a métrica, a rima e a oração.

Na Bahia, o cordel possui muitos mestres e ainda hoje se atualiza e agrega novos poetas. Bule-Bule é uma figura indissociável quando se fala em literatura de cordel em qualquer parte do Brasil.

Aos 75 anos, o poeta, repentista, músico e cordelista está em atividade e não pensa em parar tão cedo. Em 2019, Bule-Bule lançou o projeto musical Tertúlia Visceral, ao lado do artista gaúcho Pedro Ortaça. Agora, ele se prepara para o relançamento do livro Orixás em Cordel, que chega numa versão ampliada e com capa dura. A obra será lançada no próximo dia 6, na Festa Literária Internacional da Praia do Forte (Flipf) , que também marca o primeiro evento presencial de Bule-Bule desde o início da pandemia.

Mas a intimidade com o cordel vem desde muito cedo na vida de Antônio Ribeiro da Conceição, o Bule-Bule. Apesar de não saber ler, o pai do cordelista sabia muitas histórias de cabeça, além de conhecer o universo da literatura de cordel, das pelejas, dos reinos encantados e do ciclo do cangaço. “Meu pai era um conhecedor da literatura de cordel e em toda feira que ia procurava por títulos novos”, lembra o mestre.

Quando começou a ler, Bule-Bule também já sabia de cabeça diversas histórias que ouvia do seu pai, mas conta que passou a ter mais intimidade quando ainda criança conheceu dona Helena Aragão, uma consultora e pesquisadora que arquivava muitos cordéis em casa.

Esse contato fez com que ele conhecesse outros cordelistas como Rodolfo Coelho Cavalcanti, Minelvino Francisco Silva e Erotides Miranda. Mas foi somente em 1977, aos 30 anos, que Bule-Bule publicou seu primeiro Cordel.

“Já escrevia, mas não tinha coragem de publicar. Motivado por Rodolfo Cavalcanti, eu escrevi e publiquei a primeira história”, explica o cordelista.

Daí em diante, ele não parou mais. Hoje Bule-Bule já conta com centenas de publicações, além de seus outros trabalhos como cantador de repente, tocando viola e cantando seus versos – reconhecido por todo o Brasil.

O mestre baiano vê com bons olhos a evolução da literatura de cordel. “Hoje temos ‘jovens vovós’ contando essas histórias porque é um universo que está mantido na pesquisa, está sempre tendo o universo mais buscado e rebuscado”, diz, sobre a nova geração. Segundo ele, não só o cordel, mas a ilustração, através de xilogravura, também tem sido muito valorizada.

Para Bule-Bule, muito desse reconhecimento que o cordel recebe hoje vem por conta dos pesquisadores, a que ele se refere como uma “linha de crédito”, de credencial mesmo. Ele conta que a partir do momento em que as universidades começaram a pesquisar melhor o assunto e abrir essa linha de crédito, o cordel passou a ser mais respeitado.

“A literatura de cordel passou a ser muito utilizada em Trabalhos de Conclusão de Cursos (TCC) e, por isso, mais pesquisada, mais vendida, e hoje está presente nas grandes bienais”, afirma o cordelista. “Temos no Brasil grandes estudiosos dessa literatura de cordel, desse universo da pesquisa que tem nos favorecido bastante”.

O editor e pesquisador baiano Marco Haurélio, atualmente mestrando em literatura na Unicamp, estuda a classificação tipológica e sistemática do cordel.

Ele tem forte ligação com o cordel desde a infância, e em 2017 foi finalista do Prêmio Jabuti com o livro Cordéis de Arrepiar: Europa. Atualmente, o pesquisador possui mais de 50 obras publicadas, e a grande maioria é de cordel.

Mesmo distante, Haurélio continua em contato com os cordelistas da Bahia e ainda acompanha os lançamentos realizados por aqui. Para ele, o estado está “num momento muito iluminado”. Ele conta que tem visto muita gente, tanto na capital como no interior, abordando temas dos mais diversos.

“Acompanho um pouco mais à distância por hoje estar em São Paulo, mas fico muito feliz quando vejo essa movimentação e essa diversidade. São muitas vozes, e essas vozes dão ao cordel esse sentido de mosaico, caleidoscópio, polifonia”, destaca.

Ele conta que essa polifonia é interessante do ponto de vista de que se todos esses autores fossem abordar os mesmos temas, logo o leitor iria ficar enfastiado e o interesse seria perdido. “O melhor mesmo é a gente ter diversidade tanto de autor como de temas”, afirma o pesquisador.

Outro grande nome da pesquisa de cordel no Brasil é a também baiana Edilene Dias Matos, da Academia de Letras da Bahia, que criou e foi coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Cultura da Literatura de Cordel da Fundação Cultural do Estado da Bahia.

O núcleo foi um projeto fundamental para dar início a toda essa linha de crédito que Bule-Bule menciona. Foi a partir do projeto de Edilene que um acervo foi montado para que estudantes e pesquisadores pudessem ter acesso aos mais diversos tipos de produção sobre essa literatura.

“Nós constituímos um acervo muito importante. Depois conseguimos adquirir livros, uma discografia, porque tinha discos de cantorias de repente, que é também uma outra manifestação da chamada Poética Oral”, explica Matos. “Depois, junto com os poetas, conseguimos montar uma banca de trovadores e repentistas, ali nas imediações do Mercado Modelo. Fizemos uma bela inauguração. Eles tinham ali um espaço para, além de publicizar sua obra, de vender sua mercadoria”, acrescenta.

Jornal A Tarde Texto Vinícius Marques

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