Academia Brasileira de Ciências apresenta propostas para os candidatos à presidência do Brasil em 2022

26 de Jun / 2022 às 20h00 | Variadas

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) apresentou no último dia, 23 de junho, seu conjunto de propostas para os candidatos à presidência do Brasil em 2022. É uma tradição que a mais antiga entidade colegiada de cientistas do País — fundada em 1916 — mantém desde as eleições de 2006.

Muitos dos desafios listados no primeiro documento permanecem válidos: fortalecer a educação em todos os níveis, aumentar os investimentos em ciência e tecnologia, formar mais mestres e doutores, apoiar a inovação na indústria, etc. Mas o documento deste ano traz uma novidade particularmente desagradável: um apelo contra o retrocesso e o desmonte do sistema nacional de ciência e tecnologia.

“O momento atual da ciência brasileira é preocupante, principalmente pela drástica e persistente redução de recursos alocados para as atividades de ciência, tecnologia e inovação. Este contexto tem causado desestruturação e sucateamento do ecossistema científico e tecnológico, levando à fuga de cérebros do País, ao desalento dos jovens pesquisadores e à perda de credibilidade do sistema”, é a primeira mensagem destacada no documento, que será encaminhado às coordenações de campanha de todos os candidatos à Presidência da República. O documento foi redigido por um grupo de 13 cientistas e acadêmicos, incluindo membros da diretoria e vice-presidentes da ABC.

“Até 2018 a gente tinha condições de olhar só para o futuro e pontuar coisas que precisavam ser melhoradas, reforçadas, e que eram importantes para o crescimento do sistema. Mas dessa vez tivemos que destacar todo o drama vivido nesse passado recente, que está destruindo muito do que foi conquistado até aqui”, diz o cientista Glaucius Oliva, professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP e vice-presidente regional da ABC em São Paulo, que participou da elaboração do documento. “O momento agora é muito mais crítico do que em 2018. Claro que já tínhamos problemas, mas não vivíamos uma crise institucional tão grave quanto a atual, com tantas áreas sendo afetadas por políticas absolutamente desastrosas e destrutivas.”

Uma coisa que não mudou — e provavelmente nunca mudará, por parte da academia — foi o reconhecimento da educação como pedra fundamental para o desenvolvimento científico, econômico e social do País. “O Brasil precisa de uma revolução na educação”, é o mantra que vem sendo repetido pela ABC desde 2010, quando foi realizada a última Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia. “Só existe ciência, tecnologia e inovação a partir de uma educação de qualidade. Educação é a base do sistema”, destacou o vice-presidente da ABC e professor do Centro Universitário Senai-Cimatec (na Bahia), Jailson Bittencourt de Andrade, no evento de apresentação do documento. “Sem educação não vai ter ciência”, reforçou a presidente da ABC e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Helena Nader.

O documento destaca que mais de 90% da ciência produzida no País é feita dentro de universidades públicas, em associação com seus programas de pós-graduação. Nesse contexto, os alunos de pós-graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado) são a principal força de trabalho da ciência brasileira, responsáveis por elaborar e executar projetos de pesquisa, sob a orientação de seus professores. Fragilizado pelos sucessivos cortes orçamentários e pela defasagem na oferta e nos valores das bolsas de pós-graduação, porém, esse sistema começa a desmoronar. Há menos jovens interessados em entrar para a universidade, e menos ainda em fazer pós-graduação. Sem falar nos muitos pesquisadores que estão deixando o País para trabalhar no exterior ou desistindo da carreira científica por aqui.

“Como desenvolver ciência e tecnologia no Brasil com os estudantes fugindo da pós-graduação?”, questionou o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-presidente da ABC, Luiz Davidovich, que liderou o processo de confecção do documento durante sua gestão à frente da academia (encerrada em maio deste ano). “Os estudantes não querem mais fazer pós-graduação. As bolsas são ridículas”, afirmou. 

O valor de uma bolsa de doutorado, que correspondia a dez salários mínimos em 1995, por exemplo, hoje equivale a menos de dois salários mínimos, segundo um artigo publicado por Davidovich e outras lideranças do meio científico no jornal Folha de S. Paulo, em março deste ano. O último reajuste foi em 2013. Desde então, os valores das bolsas federais são de R$ 1.500 para mestrado e R$ 2.200 para doutorado, ante um salário mínimo de R$ 1.200.

“São pessoas graduadas, que estão sendo pagas com bolsas absurdamente defasadas”, diz um manifesto sobre o tema publicado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em maio. Além dessa desvalorização, a quantidade de bolsas oferecidas também diminuiu nos últimos anos, e o orçamento discricionário das universidades federais hoje corresponde a menos da metade do que era em 2015, segundo dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).

“É um projeto de país que destrói a educação (…); isso tem que ser falado muito claramente”, afirmou Davidovich, no lançamento do documento da ABC. “Temos uma missão agora, não como cientistas, mas como cidadãos, de parar essa destruição da educação, essa destruição da ciência. É uma tarefa urgente e extremamente relevante para o futuro do País.”

O desprezo pela ciência e pelas universidades públicas é um tema recorrente do atual governo, que não se expressa apenas na forma de cortes orçamentários. Em várias instâncias, nos últimos anos, ministros da Educação escolhidos pelo presidente Jair Bolsonaro se referiram às universidades de forma depreciativa. O ex-ministro Milton Ribeiro, por exemplo, chegou a questionar a vantagem de se obter um diploma universitário e a dizer que a universidade, na verdade, “deveria ser para poucos”.

“A realidade dos últimos anos de desinvestimento e desestruturação do setor precisa ser revertida, sob risco de sucateamento da infraestrutura construída e das perdas de cérebros formados e de perspectivas para jovens cientistas”, escreve a ABC.

INVESTIMENTOS: Uma das principais propostas da ABC para os candidatos é a elevação dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação no País (incluindo recursos públicos e privados) para 2% do PIB nacional nos próximos quatro anos — o dobro do patamar atual. Uma meta “extremamente factível” de ser atingida, segundo Nader, e até mesmo modesta, considerando que a média nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 2,6%. Em 2015 essa taxa no Brasil se aproximava de 1,5%, mas vem caindo desde então. Os Estados Unidos, comparativamente, investem quase 3,5% do PIB em ciência e tecnologia; e a China, 2,4%, segundo dados da OCDE. 

“Para que a ciência possa continuar contribuindo com o desenvolvimento do Brasil, é fundamental que ela conte com um financiamento robusto, contínuo e crescente, que permita enfrentar os grandes desafios — presentes e futuros — do País”, afirma a ABC.

Outra necessidade básica, apontada no documento, é aumentar a formação de mestres e doutores — o que exige, obviamente, a reversão da tendência atual de desmonte das universidades públicas, nas quais grande parte desses recursos humanos especializados é formada. O Brasil tem hoje cerca de 900 pesquisadores a cada milhão de habitantes — menos até do que outros países da América Latina — e a meta seria chegar a 2 mil. Em países desenvolvidos, esse número é da ordem de 4 mil, segundo a ABC.

“A falta de cientistas é preocupante”, diz o documento. “É temerário assentarmos a economia apenas em commodities, cujos valores no mercado internacional oscilam muito, e na produção de bens de baixa intensidade de conhecimento e que agregam pouco valor ao produto final, ou ainda, dependermos fortemente de produtos externos, como fertilizantes e vacinas.”

Sejam quais forem as medidas adotadas, é crucial que elas sejam estruturadas como parte de uma “política de Estado” (e não uma política de governo, que muda a cada quatro anos), destacam os autores. O documento termina com uma lista de 19 recomendações para a elaboração da próxima Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI), visto que a estratégia atual, publicada em 2016, expira no final deste ano. (Veja a lista dos 19 pontos abaixo.)

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) vem trabalhando na elaboração de uma Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (PNCTI). Em uma carta conjunta enviada ao ministro Paulo Alvim em 14 de junho, porém, os presidentes da ABC, SBPC e Andifes afirmam que “não subscrevem o texto, uma vez que necessita de aprimoramento e discussão ampla entre os diferentes atores”. 

Jornal da USP

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