Obra do artista plástico Coelhão, aprovada pelo Ministério da Cultura, é alvo de desrespeito na orla dois de Juazeiro

17 de Jun / 2022 às 20h00 | Espaço do Leitor

O respeito e a proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico é assegurado pela Constituição Federal de 1988.

Há de se recordar que, em seu artigo 23, a nossa carta magna afirma que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; e impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural.  

Entretanto, tais princípios e garantias foram afrontados na orla dois de Juazeiro-BA, com o completo desrespeito ao monumento Chama Navegante, de autoria do artista plástico Antonio Carlos Coêlho de Assis, Coelhão, situado em um canteiro gramado próximo ao Vapor Saldanha Marinho. Esse monumento é um legado permanente da passagem do fogo olímpico na cidade, que fez parada e foi recepcionado naquele local. O trajeto da tocha, da Grécia ao Rio de Janeiro, onde aconteceriam os Jogos Olímpicos, foi acompanhado dia a dia e divulgado por todos os meios de comunicação do mundo inteiro.   

Para marcar o acontecimento único e singular, o Ministério da Cultura, através da Fundação Nacional de Artes (Funarte), estabeleceu o Edital Prêmio Arte Monumento Brasil 2016, em que artistas, coletivos de artistas ou empresas da área das visualidades apresentassem propostas de monumentos a serem selecionadas por uma comissão qualificada. As propostas submetidas ao rigor da avaliação e premiadas deveriam fazer alusão à tocha e a elementos da cultura dos lugares por onde o fogo passaria no seu caminho até o destino. Foram submetidos cerca de 300 projetos, tendo sido aprovados 22: 18 das regiões Sul e Sudeste, um da região Norte e três do Nordeste, entre os quais o monumento Chama Navegante, de Coelhão, que ficou em sétimo lugar na classificação geral.  

A concepção do monumento Chama Navegante, no seu conjunto, apresenta uma carranca, composta por três triângulos e uma hélice. Na síntese estética e simbólica, a tocha é associada a uma vela de barco em que a parte inferior é o copo ou haste, e acima, no alto, está o fogo. A chama forma a cabeleira da carranca, cuja face é constituída pelas figuras menores, e vem a ser um barco em que um sol helicoidal atravessa a vela com seus raios, determinando um recorte circular que estabelece o olho da mesma. O conjunto, afixado na entrada do antigo porto fluvial da cidade, registra onde a chama olímpica aportou em sua navegação pelo mundo e sua passagem por ali.  

Para o projeto ser inscrito e habilitado, a Prefeitura local precisaria, após exame da proposta, aprovar e assinar uma carta de anuência em que se dispunha a receber e apoiar o empreendimento. O local para a instalação do monumento, por exigência do edital, deveria ser de fácil acesso, passagem permanente de público e de grande visibilidade. Seria necessário ainda a apresentação, por meio de fotos ou vídeo, do local proposto demonstrando as condições para atendimento do exigido. A Prefeitura, por meio de seus representantes, além de aprovar a ideia, indicou o local onde hoje e, desde lá, se encontra o monumento.  

O monumento, após a confecção, foi instalado, iluminado e festivamente inaugurado. Como proposta de legado permanente, segundo o Edital, a Prefeitura Municipal de Juazeiro, enquanto entidade, comprometia-se para isso quando aprovou e anuiu a proposta. A gestão municipal seguinte pouco ou nada fez para a manutenção e preservação do monumento. No momento atual, de um novo governo para a mesma entidade administrativa, a indiferença ou o pouco caso perceptível na gestão anterior transforma-se em agressão.   

Durante os preparativos para a transmissão de televisão em rede nacional, do show comemorativo da cantora juazeirense Ivete Sangalo, em homenagem aos seus cinquenta anos, e que aconteceria em outra área do antigo porto, hoje conhecida como orla dois, foi colocada sobre o canteiro onde está a Chama Navegante uma placa de cunho publicitário, onde um empresário que explora o ramo imobiliário debulha as suas felicitações à aniversariante. A placa, o imenso cartaz, foi colocada rente ao Monumento, ocultando-o, sufocando-o, em desacordo total com os fins e objetivos daquele legado.   

Qualquer um, com um pouco de conhecimento ou sensibilidade, sabe ou intui que uma obra de arte necessita de espaço adequado para respirar, dentro de condições que contribuam para a sua exibição e apreciação. O mais surpreendente é que o referido empresário teve permissão e autorização da gestão do município para aquela escandalosa invasão do espaço.  

Apesar do disparate, a placa lá permaneceu mesmo após o término do evento. Quando da sua desativação e retirada, a Prefeitura manteve a estrutura metálica e de sustentação, aproveitando para colocar outra placa publicitária, a dos festejos de Santo Antônio, promovidos pela gestão atual, com a maior naturalidade, demonstrando com isso não só a insensibilidade gritante do primeiro momento, mas ainda reforçando o pouco caso e a falta de respeito com o patrimônio público, por parte justamente de quem deveria dar o exemplo de ordenamento e zelo com a cidade.  

Espera-se que a perplexidade e indignação de quantos se manifestaram, ainda que não publicamente, sirvam para que fatos dessa natureza não se repitam nesta ou nas futuras gestões, seja com a obra em questão ou qualquer outro patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico de Juazeiro. O respeito e a proteção aos nossos bens simbólicos é, além de uma garantia constitucional, uma necessidade básica para uma sensível e saudável convivência social.  

Antonio Carlos Coêlho de Assis

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