Artigo: Dia das mães é todo dia da sua vida

07 de May / 2022 às 23h00 | Variadas

No segundo domingo do mês de maio é comemorado o dia das mães e é preciso muito mais do que uma simples comemoração, pois mãe é mãe todos os dias.

O que se comemora mesmo? Será que a dificuldade que muitas vezes impossibilita a mulher-mãe de seguir o fluxo da sua vida e dos seus sonhos, sobrecarregando-a na maternidade e nas tarefas cotidianas caseiras para que o homem-pai não desvie dos seus grandes objetivos de vida?

É no mínimo contraditório para aqueles que aderem ao sistema patriarcal, defendendo-o com unhas, dentes, cores e bandeiras, falar sobre dia das mães. Os mesmos que colocam a mulher na condição de objeto submisso ao todo poderoso homem, descarregando sobre ela todas as funções domésticas como se fossem obrigações naturais de mulher, deixando-a em função da agenda e da masculinidade tóxica que sufoca cada vez mais a humanidade.

O sistema patriarcal que estamos inseridos não deixa escolha à mulher, a não ser manter-se em posições sociais inferiores aos homens, tirando-lhe, quase sempre, o poder de decisão e a deixando no lugar de menor capacidade de protagonismo.

Quantas mães solos a gente encontra hoje em dia?

Mulheres que se separaram de seus companheiros e levaram como herança a maior parte da responsabilidade em relação à educação e sustento dos próprios filhos (as) ou aquelas que acabam, por pressão familiar e/ou social mantendo um casamento falido e instável por medo e receio do julgamento a que será conduzida.

Quantas mulheres geniais em nossa história não foram privadas de seguirem o seu caminho de sucesso por terem assumido o compromisso matrimonial e gerado filhos (as), tornando-as reféns? E quando estão divorciadas (na maioria das vezes) contam com pouquíssima participação do progenitor na vida dos (as) filhos (as) e no cumprimento da responsabilidade de pai.

Faz-se necessário com urgência, o rompimento com hábitos e costumes criminosos e cruéis que foram massificados e impostos a todos (as) nós, jogando-nos num limbo de contradições, injustiças e farsas onde nós mesmos (as) somos os (as) próprios alvos. Cabe a nós homens, filhos, maridos, companheiros e pais, buscar a nossa própria desconstrução social, quebrando tabus e regras de bons costumes que nos foram impostos para que possamos compreender cada um (a) como parte de um todo, deixando de lado a masculinidade que nos intoxica. 

Na formação da cultura ocidental, mais intensamente no surgimento das crenças religiosas que regeram por muito tempo o nosso mundo, criando e impondo leis que estimulavam cada vez mais as desigualdades, foi-nos colocada a importância da presença de um Deus que tudo enxerga e tudo repreende. Viemos de um Deus e por que não de uma Deusa? Nem sempre foi assim.

As primeiras divindades da história da humanidade eram mulheres: Pótnia, Astarte, Ísis, Amaterazu, Nu Gua e representavam o começo e o fim de tudo. Tudo o que nos foi colocado massacrou qualquer possibilidade de igualdade entre homens e mulheres perante a sociedade e o sistema.

Neste final de semana todos (as) nós estaremos comemorando o dia das mães solos, mães que foram obrigadas a servir o lar, o marido, os (as) filho (as), mães que foram obrigadas a manter a aparência da família tradicional feliz, mães que abriram mão de seus sonhos para acumularem todas as funções, mães que sofrem violência doméstica, mães que foram estupradas, mães.

Mãe todos (as) nós temos, pois diferente de um Deus quem nos deu a vida foi uma Deusa real, de carne e osso que deve imediatamente ser empoderada e reconduzida ao seu lugar por direito de igualdade na sociedade.

Deixo aqui a letra da canção Angélica composta por Chico Buarque e Miltinho em homenagem a Zuzu Angel, mulher-mãe que até sua morte (por assassinato) lutou por seu direito de poder enterrar o próprio filho morto pelo regime militar.

Quem é essa mulher

Que canta sempre esse estribilho

Só queria embalar meu filho

Que mora na escuridão do mar

Quem é essa mulher

Que canta sempre esse lamento

Só queria lembrar o tormento

Que fez o meu filho suspirar

Quem é essa mulher

Que canta sempre o mesmo arranjo

Só queria agasalhar meu anjo

E deixar seu corpo descansar

Quem é essa mulher

Que canta como dobra um sino

Queria cantar por meu menino

Que ele já não pode mais cantar

Que este domingo nos desperte a consciência humana e de classe para que possamos, juntos (as) arrancar de vez um sistema que se apoderou dos nossos corpos e mentes, tornando-nos a própria caricatura de nós mesmos. Dia das mães é todo dia desde sempre!

*Danilo Nunes Músico, ator, historiador e pesquisador de Cultura Popular Brasileira e Latino-americana.
 

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