Para muitos de vós, a curiosa e sugestiva exposição que gloriosamente inauguramos hoje é uma aglomeração de ‘horrores’”, disse o intelectual Graça Aranha, no discurso de abertura da Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, há exatos 100 anos.
Revolucionária para uns e dispensável para outros, o evento realizado entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, com a intenção de provocar transformações na estética artística do Brasil, só teve sua dimensão consolidada tempos depois.
A ocasião chega ao centenário como sendo o ponto de partida para uma nova linguagem. Naquela época, houve uma aproximação às ideias vanguardistas europeias, que se entrelaçam ao processo de industrialização e avanço do Capitalismo vivido fortemente em São Paulo.
“Era a vontade de romper com padrões estabelecidos. A irreverência e o espírito de reverter o processo de mesmice, criando uma arte inovadora e polêmica”, define a professora de literatura e autora de livros com críticas literárias Zuleide Duarte.
Embora o início do movimento seja lembrado por essa data, suas ideias já eram gestadas tempos antes. “Foi importante para que os pensamentos de Mário e Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Victor Brecheret e Menotti Del Picchia fossem alinhados. Não houve quem primeiro falasse sobre isso. Há muitos nomes e alguns ficaram à frente e assumiram”, resume Duarte, completando que sempre há interferências do contexto político-econômico e que se houve uma elite, essa era composta por intelectuais capazes de uma reviravolta naquele momento.
Criticada e até ignorada por parte da imprensa da época, o evento de 1922 atravessou o tempo. O pernambucano Manuel Bandeira teve o seu poema “Os Sapos”, declamado por Ronald de Carvalho, em meio às vaias da plateia. Ele apresentava uma espécie de declaração de princípios modernistas. Já na década de 1950, em mais uma comemoração ao evento, o poeta comentou: “acho perfeitamente dispensável comemorar o trigésimo aniversário da Semana. Que esperassem o centenário.”
Chegada a época, o professor de Letras da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e presidente da Academia Pernambucana de Letras (APL), Lourival Holanda, pontua: “devemos pensar se é um marco que já se fechou ou um espiral que percebemos ecos? Que relação temos hoje com a capoeira e a beleza do street dance, por exemplo? Devemos esse acesso à 22. Não celebrar apenas os nomes, mas a atitude que continua ativa”, conclui. Ainda segundo o professor, a repercussão está no fato de que a arte deve ser vivida, antes de ser contemplada.
Já para o editor e escritor Sidney Rocha, ganhador do prêmio Jabuti de Literatura, os grandes autores modernistas são hoje clássicos modernos. “Mas os tais ecos estão na Tropicália – quem mais devedor do modernismo que Caetano Veloso, que Gilberto Gil, que os poetas concretistas? Os ecos são sobretudo na linguagem, em que predomina mais que a liberdade, a libertinagem total”, defende.
Com mais recursos, São Paulo era terreno fértil para a divulgação do movimento. “Mas havia modernidade em Alagoas, Minas e Pernambuco. Nos anos 1920, tínhamos pintores de extrema modernidade. No entanto, aqui prezamos por tradições. O que não impediu uma arte de ação, como em Vicente do Rego Monteiro e Cícero Dias, que vai para a Europa debater artes plásticas com Picasso. Isso é vanguarda e não está ligado à Semana”, pontua Holanda.
O movimento acontecia por aqui, mas não como influência direta dos paulistas. Segundo Sidney Rocha, Joaquim Cardozo e Ascenso Ferreira, por exemplo, faziam produções modernas sem precisar copiar autores do Sudeste. “Ironicamente, os mais fracos são justamente aqueles que se ligaram de modo mais direto ao movimento dos que atuaram na Semana, como Joaquim Inojosa e Austro-Costa. Há nomes desconhecidos, como Benedito Monteiro, moderníssimo no pouco que pode ser publicado dele na curta vida que teve”, detalha.
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