Em pleno século XXI moradores do sertão e agreste convivem com falta d'água e o ronco dos carros pipa 

16 de Nov / 2021 às 17h30 | Variadas

Em pleno século XXI, a industria do carro pipa continua alimentando o Nordeste, desafiando o Estado brasileiro e mostrando o descaso, a falta de competencia dos governantes no passado e presente em realizar políticas públicas para os problemas da falta de água nas torneiras dos sertanejos e moradores do agreste.

De Petrolina ao agreste é visível o movimento de carros pipa nas estradas e cidades. De acordo com o secretário executivo do Observatório das Águas, o uso de carros-pipa deveria ser pontual e apenas em situações emergenciais. No entanto, essa utilização é rotineira em Pernambuco.

"A gente precisa entender cada situação. O melhor e mais adequado é você investir para ter água suficiente para abastecer a população. Carro-pipa é uma situação que deveria ser utilizada em situações emergenciais, de muita crise", afirmou Ângelo Lima.

Detalhe: somente a Operação Carro-Pipa, do Exército, leva água a mais de meio milhão de pessoas em 105 cidades do estado. São 1.069 pipeiros contratados, como são chamados os trabalhadores que atuam no transporte da água.

Por que ainda existe o carro-pipa nas paisagens nordestinas, em pleno Século 21?

Os versos da música do poeta, cantor e compositor Flávio Leandro,  Chuva de Honestidade diz:
"Eu pensei que tivesse resolvida
Essa forma de vida tão medonha
Mas ainda me matam de vergonha
Os currais, coronéis e suas cercas
Eu pensei nunca mais sofrer da seca
No Nordeste do século vinte e um
Onde até o voo troncho de um anum
Fez progressos e teve evolução...
Dá pra ver que o desmando aqui é certo, sobra voto, mas, falta competência
Pra tirar das cacimbas da ciência, água doce que serve a plantação".

Em Caruaru, região do agreste de Pernambuco, "o ronco feroz do carro pipa", mostra uma situação absurda onde dezenas de caminhões todos os dias armazenam o água para distribuir para outras centenas de cidades vizinhas, exemplo, Riacho das Almas, Belo Jardim, Camuru, entre outras.

O jornalista Ney Vital, esteve na Avenida Mestre Vitalino, local onde fotografou uma caixa de água da Compesa (Companhia Pernambucana de Saneamento).  Desconfiados os motoristas dos carros pipa não quiseram dá informações dos valores cobrados,logísticas e quais as condições e localidades são abastecidas, visto ser a água retirada de uma caixa de água pertecente a Compesa.

Na zona urbana de Caruaru a alternativa à falta de abastecimento regular é também feita através de carro pipa para quem tem condições financeiras. Existe na cidade um calendário de abastecimento de água divulgado pela Compesa são cinco dias com água e dez dias sem.

A reportagem apurou que "hospitais, hoteis e moteis, empresas privadas e até repartições públicas são abastecidas através de carros pipa".

Através de nota a COMPESA explica: A Compesa esclarece que o reservatório localizado na Avenida Vitalino é um dos pontos de distribuição para os carros-pipas, que ao todo são 4 e todos controlados através do aplicativo Gpipa. Pela Companhia são cadastrados 45 pipeiros e em parceria com as prefeituras são 25. 

Todo pipeiro precisa ter tal aplicativo instalado no celular para ter acesso à central de distribuição. Através do aplicativo, ele programa o volume a ser retirado de acordo com a capacidade do seu caminhão e a Compesa monitora todo esse movimento através da central interna. Além do Gpipa, os carros-pipas ainda são monitorados por GPS.

A situação mostra a crise hídrica que envolve os municípios do agreste. A situação é dramática. Existe até propaganda para compra de água via carro pipa com pagamento pelo de pix.  

DESCASO: A obra da Adutora do Agreste, que a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) começou em  2013, há oito anos. A promessa era garantir água nas casas de 2 milhões de moradores de 68 municípios do Agreste e do Sertão. No entanto, atende atualmente sete cidades. 

Em Pernambuco, a oferta de água fica abaixo da média nacional. Segundo a Agência Nacional de Água (ANA), o país tem uma média de 35 milhões de litros de água para cada brasileiro por ano. O estado tem um 1,2 milhão de litros de água por pernambucano. É um número 27 vezes menor.

Na falta de políticas públicas, os moradores da Zona Rural recebem cerca de 3 mil caminhões-pipa para a distribuição de água potável na região do agreste. Aproximadamente 12 mil  pessoas, que não contam com outra forma de abastecimento, tiveram acesso a esse tipo de distribuição.

Com base na lista que a REDEGN teve acesso, o preço do caminhão-pipa pode variar, podendo ser de R$180 a R$500, ou até R$1.000 por exemplo. "Vai depender da capacidade do caminhão-pipa. Quanto maior o volume de água potável que o caminhão-pipa puder transportar, maior será o valor cobrado".

Em contato com a Compesa a reportagem da REDEGN recebeu as seguintes informações: A Compesa reforça que em caso de falta de água dentro do período de abastecimento previsto no calendário o cliente pode entrar em contato através do 0800 081 0195 para reportar à Companhia.

GOVERNO FEDERAL: São cerca de dois milhões de pessoas beneficiadas pelo Programa Emergencial de Distribuição de Água. A Operação Carro-Pipa, como é conhecido o programa, é responsável por ações complementares de apoio às atividades de distribuição de água potável às populações atingidas por estiagem e seca, não somente na região do Semiárido nordestino, mas no norte dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Por problemas orçamentários, esse abastecimento passa por instabilidades e alguns municípios correm o risco de ter o serviço suspenso. 

No mês de setembro, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, acionou o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) para evitar a paralisação da Operação Carro-Pipa no agreste de Pernambuco. Coordenadores municipais de proteção e defesa civil de prefeituras da região foram alertados pelo Exército sobre a paralisação da distribuição de água potável por carros-pipa por falta de recursos. 

A Operação Carro-Pipa é uma cooperação técnica e financeira entre os Ministérios do Desenvolvimento Regional e da Defesa, e atende cerca de 637 municípios.

VOZES QUE PEDEM POLÍTICAS PÚBLICAS: A falta de água nas torneiras vem se agravando há anos. Em 1999, o então senador Ronaldo Cunha Lima declamou no plenário da Câmara Federal:
"Quando o grito de dor do nordestino
Unir-se à voz geral do desencanto,
Esse eco, de repente, faz um canto
E o canto de repente faz um hino.
E puro como um sonho de menino
Será cantado aqui e em qualquer canto,
Como símbolo, estandarte, como manto
De um povo que busca o seu destino.

Quando esse hino, pleno de ideal,
Canção de um povo em marcha triunfal,
For lançado ao sabor de seu destino
Aí se saberá sem ter espanto
Que um eco de repente faz um canto
E um canto de repente faz um hino.

Na música Vozes da Seca, anos 50, o cantor e sanfoneiro Luiz Gonzaga soltou a voz nos versos de Zé Dantas. Na época um parlamentar disse que este baião valia mais que mil discursos:

"Seu doutor, os nordestinos têm muita gratidão
Pelo auxílio dos sulistas nesta seca do sertão
Mas doutor, uma esmola a um homem que é são
Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão.

É por isso que pedimos proteção a vosmicê
Homem, por nós, escolhido, para as rédias do poder
Pois doutor, dos vinte estados, temos oito sem chover
Veja bem, mais da metade do Brasil tá sem comer.

Dê serviço a nosso povo, encha os rios e barragens
Dê comida a preço bom, não esqueça a açudagem
Livre assim, nós da esmola, que no fim desta estiagem
Lhe pagamos inté os juros sem gastar nossa coragem.

Se o doutor fizer assim, salva o povo do sertão
Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação
E nunca mais nós pensa em seca, vai dá tudo neste chão
Como vê, nosso destino, mercer tem na vossa mão!

Redação redeGN Texto e Fotos Ney Vital

© Copyright RedeGN. 2009 - 2024. Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do autor.