Artigo: As marcas da transitoriedade da vida

18 de Oct / 2021 às 23h00 | Espaço do Leitor

A canafistula se despojou de quase todas as suas folhas. O manto verde-escuro que lhe cobria, sombra para o homem e para os cavalos, desapareceu na sua imensa maioria, deixando à mostra um grande ninho de passarinho, em meio a galhos retorcidos para todas as direções, linhas que, de longe, lhe realçam o estado em que se encontra, um resto de folhas que teimam em não abandoná-la, retirando-lhe, por ora, a condição de cama da passarada que habita o ambiente. Tudo obra única do inverno que a afeta, anunciando o momento de enflorar na queda da vasta cabeleireira de folhas.

A renovação se anuncia. Cachos de flores amarelas surgirão, ao lado de novas folhas, para lhe adornar, outra vez, e, mais uma vez, os galhos, que ficarão cobertos de folhas, e, estas, por um lapso de tempo, estarão abafadas pela beleza do amarelo harmônico das flores, afinal, centro de todas as atenções.  

O ipê, a passar quase o ano inteiro ignorado, fazendo papel de mera árvore, quieta e insignificante no seu canto, - não ostenta nada que possa lhe merecer um olhar mais demorado, - também se prepara para se engrinaldar de flores de variadas cores, do branco ao roxo de várias nuanças,  sem esquecer o amarelo, e,  outra vez e mais uma vez o viajante, nas estradas, poderá se deliciar com seu chapéu  de flores, captar sua beleza no celular, porque o espetáculo é transitório, no repetido dilema de um ou dois meses por ano em que se faz notada.   

A transitoriedade das flores é o sinal de alerta para a vida, que também prima por ser tudo passageiro. Na canafístula ou no ipê, a natureza deixa sua marca. Nada é eterno. Tudo passa, como a chuva e o estio, o vento e o calor, o dia e a noite, a criança de ontem se tornando o homem do amanhã, e nesse caminhada, o tempo vai passando, o número dos dias se alternando no calendário do mês, seguindo o mesmo e invariável roteiro, tudo se repetindo e  batendo asas, o alvorecer de céu azul se abrindo depois de uma madrugada de chuvas e de enchentes.

No centro, a figura de papai e seu asserto, que conservei, sem saber se é original ou de ter ouvido, de que não há mal que dure a vida inteira, nem bem que não se acabe. Estamos num palco de rosas e espinhos. Afinal, isso aqui não é nem nunca foi um paraíso.

Vladimir Souza Carvalho-Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras

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