Desemprego elevado é um dos maiores desafios do Brasil após crise sanitária

20 de Oct / 2021 às 11h30 | Variadas

Apesar do avanço da vacinação contra a covid-19 no país, com 101,3 milhões de brasileiros totalmente imunizados — conforme dados do Ministério da Saúde —, a atividade econômica patina em meio às incertezas conjunturais e a pandemia vai deixando suas cicatrizes, que devem ser profundas.

Além das perdas de pouco mais de 600 mil vidas e das inevitáveis sequelas nos recuperados, o mercado de trabalho também sofre um baque forte com a covid-19 e a taxa de desemprego deve demorar para ficar abaixo de dois dígitos, alertam os especialistas.

Analistas avaliam que, mesmo após o recuo recente para 13,7% na média do trimestre móvel encerrado em julho, quando o país atingiu 14,1 milhões de desocupados, a tendência é de que a taxa de desemprego deva subir e não ficará abaixo de 10% nesta década. Eles reforçam que a pandemia agravou um quadro que já era ruim e, portanto, os futuros candidatos à presidência em 2022 precisarão olhar para essa questão com cuidado e elaborar um bom plano de governo, caso contrário, o país não mudará essa realidade.

O emprego só cresce com a atividade econômica aquecida. Mas as recentes estimativas do mercado mostram que o Produto Interno Bruto (PIB) não são nada animadoras, porque estão em queda e mostram que, devido às mazelas da volta da inflação e às incertezas em relação à política, o PIB não tem fôlego para crescer de forma robusta, ou seja, acima do seu potencial, que encolheu e hoje está abaixo de 2%. As novas estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o PIB brasileiro, por exemplo, prevendo expansão do PIB de 1,5% em 2022 em vez de 1,9%, são criticadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele disse que o FMI “vai continuar errando as projeções”.

O cenário previsto por especialistas, no entanto, são piores do que o estimado pelo organismo multilateral, pois já há estimativas para o PIB abaixo de 0,5% e muitos não descartam um cenário de estagflação — o pior dos mundos na teoria econômica, porque não há crescimento e o custo de vida continua elevado, corroendo a renda da população. O Fundo prevê o desemprego no país abaixo de 10% em 2026, cenário improvável pelos analistas.

Um exercício matemático feito por economistas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e que o Correio teve acesso revela que, se o PIB do país crescer 3,5% entre 2023 e 2026, o desemprego ficará em 10,1% no fim do período, em uma projeção sem ajuste sazonal. Na série ajustada sazonalmente, a taxa passaria para 9,8%, considerando essa mesma expansão. Mas, se o PIB avançar 1,5% nos próximos cinco anos, o desemprego chegaria a 11,6% em 2026.

“A taxa de desemprego já vinha subindo desde 2014, com a primeira recessão da última década e estava em dois dígitos antes da covid-19 e piorou com a pandemia. Apesar de o país já ter voltado a criar emprego, o ritmo não é suficiente para fazer a taxa de desocupação voltar a um dígito tão cedo. Isso já era difícil antes, e, agora, será bastante desafiador”, afirma o economista e pesquisador do Ibre Fernando de Holanda Barbosa Filho, um dos responsáveis pelo levantamento. Para ele, a queda na taxa de desemprego será lenta e gradual, porque um crescimento de 3,5% no país, nos próximos anos, é pouco provável na atual conjuntura.

Vale lembrar que 2021 é um ponto fora da curva na trajetória do PIB brasileiro. As previsões de avanço do PIB, em torno de 5%, após o tombo de 4,1%, em 2020, precisam de um desconto do carregamento estatístico do ano anterior — que varia de 3,6% a 4,9% —, dependendo do cálculo utilizado. Isso só confirma a tendência de baixo crescimento do país, o que faz analistas não apostarem em uma taxa de desemprego de um dígito tão cedo.

“O desemprego não deve ficar abaixo de 10% nesta década. A não ser que tenha um milagre, o PIB não conseguirá crescer 3,5% nos próximos anos e isso significa que o desemprego vai continuar muito alto e a massa salarial não retoma o valor real de 2014”, frisa o economista Simão Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP). Ele lembra que a desocupação deu um salto entre 2015 e 2016 e a média atual dos últimos sete anos é ascendente e, sem um crescimento robusto da atividade, o desemprego não tem como diminuir.

Alessandra Ribeiro, sócia da Tendência Consultoria, reforça o raciocínio de Silber. “Por mais que a economia esteja se recuperando, a taxa de desemprego ainda está elevada e, provavelmente, o país deverá recuperar a taxa de ocupação no nível pré-pandemia em maio do próximo ano. Mas o desemprego vai persistir em dois dígitos em um horizonte mais longo”, afirma. Ela lembra que a informalidade no país — de 40,8% da população ocupada, conforme os dados do Instituto Brasileiro de Economia (IBGE) — é elevada e a retomada do setor de serviços ajuda a melhorar as perspectivas para o mercado de trabalho, apesar de grande parte das vagas nesse segmento serem informais.

“As pessoas devem começar a voltar a procurar trabalho, mas o volume de vagas geradas não deverá ser suficiente para absorver o contingente que começa a procurar trabalho de novo”, afirma.

Na avaliação do professor da USP, o país caminha para mais uma década perdida do ponto de vista do poder de compra do assalariado. “Em poucas palavras, uma das cicatrizes da pandemia é a piora na distribuição da renda, porque quem vai pagar o pato será o mais pobre. Primeiro, porque perdeu renda com o desemprego e, segundo, porque a inflação triplicou. Isso significa que temos hoje 20 milhões de pessoas com nível de acesso a calorias típico de campos de concentração nazistas”, lamenta Silber.

O economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), é um dos analistas que não descartam o cenário de estagflação para a economia em 2022. Ele ressalta que, sem investimento público, o PIB continuará fraco. “O crescimento de 1,5% previsto pelo FMI seria o teto. Mas, com essa política de destruição do investimento público e com a incerteza gerada pelo governo, não vejo como recuperar, no curto prazo, o desemprego”, pontua.

Para Oreiro, com a inflação atual, também acima de dois dígitos — corroendo o poder de compra do brasileiro e o salário real — outro motor do PIB fica comprometido: o consumo. “Não tem como o consumo puxar o crescimento a curto prazo. O país tem uma crise energética contratada e precisa investir pesado em infraestrutura, mobilidade urbana e em uma economia descarbonizada, como os países desenvolvidos estão fazendo”, afirma

Correio Braziliense Foto arquivo Agencia Brasil

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