Não bastasse a luta para combater o vírus Sars-CoV-2, os habitantes do mundo inteiro se viram às voltas com um outro tipo de vírus, tão letal quanto este: o vírus da desinformação.
Em abril de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou o planeta sobre os perigos da difusão massiva de desinformação, mentiras e rumores sobre a pandemia, comprometendo o acesso a dados com respaldo de cientistas e autoridades sanitárias e revelando uma nova ameaça à vida humana. Essa “doença” foi batizada de infodemia.
De lá para cá ela só cresceu, tornando-se um problema de difícil solução, dada a rapidez com que as chamadas fake news se disseminam, gerando pânico nas populações, provocando problemas de saúde mental, causados, dentre outros fatores associados à pandemia, pelo excesso de notícias contraditórias propagadas nas mídias.
Desta forma, podemos afirmar que, para além dos vários patógenos que temos que conhecer, ainda deveremos incluir a predação humana via desinformações que causam danos civilizatórios, culturais e sanitários como mais uma doença específica.
A Associação Brasileira de Medicina Personalizada e Precisão (ABMPP), organização sem fins lucrativos voltada para a atualização da educação médica e advocacy, a promoção da saúde e a inclusão social por meio de informações qualificadas e pelo estímulo à inovação e ao uso das novas tecnologias, sensibilizada pelos números crescentes de brasileiros acometidos por diversos problemas de saúde mental nessa pandemia, escopo de nosso trabalho, criou o ciclo de eventos Diálogos que curam.
O objetivo da iniciativa é abordar temas relacionados à saúde, buscando informar o público, profissional e leigo, sobre as questões abordadas, com acuidade, baseadas em fontes confiáveis, além de compartilhar experiências e cases que promovam um diálogo inspirador e uma reflexão transformadora estimulando a tolerância social e a cultura de paz neste país. A base da curadoria enfoca os temas imunidade, resiliência e saúde mental. Desde janeiro desse ano, cientistas e profissionais de referência em suas áreas de atuação na saúde, passaram pela página institucional da ABMPP no Facebook , levando esclarecimentos sobre diferentes especialidades, buscando informar e esclarecer as dúvidas de todas as pessoas que acessam a live.
Os debates, interativos e ao vivo, ficam disponíveis para que o público possa atualizar-se e inspirar-se. Estamos inovando ao engajar uma comunidade de especialistas que, doando seu tempo e compartilhando seus saberes, visando o bem-estar individual e coletivo, propiciam um Bem maior, que é o exercício do espírito comunitário e solidário, focos atuais da promoção da saúde da OMS para este ano.
Os propósitos do ciclo são: 1) trazer o cientista mais próximo do público, mais humanizado como cidadão e se comunicando em uma linguagem acessível, doando seu tempo e conhecimento numa atitude altruísta; 2)trazer o público leigo para um ambiente formativo solidário, fazendo com que as dúvidas mais comuns possam ser expressas e respondidas; e por fim, 3)apoiar os movimentos pró-ciência e pró-vacina, maiores alvos da infodemia pelos movimentos antivacinas e anticiência.
A avaliação do Diálogos que curam traz entusiasmo: nas tardes de sábado, interessados em obter informações confiáveis ocupam o espaço de uma hora e meia com suas dúvidas, angústias e necessidades, numa discussão respeitosa, inteligente e sobretudo ética, transformando o evento em um ambiente digital seguro nesse mar de desinformação e de ameaças que se transformou as mídias e redes sociais. As curas são possíveis pela inclusão das diferentes vozes e pelo encontro entre cientistas e a população em geral.
Segundo pesquisa do instituto Ipsos, encomendada pelo Fórum Econômico Mundial, 53% dos brasileiros declararam que seu bem-estar mental piorou um pouco ou muito no último ano. Outro estudo realizado pela Universidade de São Paulo durante a pandemia do novo coronavírus atesta que o Brasil é o país que mais tem casos de ansiedade (63%) e depressão (59%).
Boa parte desse quadro de ansiedade generalizada e de perturbação mental deve-se à infodemia: sete em cada dez internautas brasileiros, cerca de 100 milhões de pessoas, acreditaram em ao menos uma notícia falsa a respeito da pandemia de coronavírus, segundo pesquisa da Avaaz. Os números são preocupantes e diversas instituições de diferentes áreas estão empreendendo esforços para mitigar esse dano à saúde mental das pessoas, à democracia e ao direito à informação de qualidade, que nos é garantido pela constituição brasileira.
O que estamos observando com o Diálogos que curam ao longo dos últimos cinco meses, é que ações simples, que promovam um diálogo qualificado e abram espaço para que as pessoas expressem suas dúvidas e inquietudes, recebendo acolhimento e uma escuta generosa, podem surtir efeitos curativos. A hashtag que acompanha a divulgação dos eventos é #informacaocura, a constatação máxima da prática médica de que médico bem informado e paciente bem orientado geram um tratamento mais eficaz.
A complexidade e a ameaça da infodemia devem nos inspirar para que as instituições e todos nós, cidadãos brasileiros, façamos a nossa parte. Ações eficientes nesse contexto que estamos vivendo passam, via de regra, pela crença na Ciência, pela divulgação científica em linguagem clara e acessível a todos, e especialmente, pela vontade de compartilhar saberes e conhecimentos de maneira ética e responsável. Informação cura: está aí uma das poucas verdades que não podemos questionar.
Rubens Bollos* e Januária Alves**
* Médico, presidente da ABMPP
** Educomunicadora, membro da UNESCO MIL Aliance
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