Artigo - O princípio da segurança jurídica sobrepondo-se ao princípio da legalidade

13 de Mar / 2021 às 23h00 | Espaço do Leitor

*Josemar Santana

O PRINCÍPIO DA GARANTIA JURÍDICA tem merecido ampla atenção dos juristas estudiosos do Direito Constitucional, do Direito Público em Geral e do Direito Administrativo, em homenagem a outro princípio constitucional, o da DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

Em rápidas palavras o PRINCÍPIO DA GARANTIA JURÍDICA pode ser entendido como sendo o princípio que impõe a atribuição da maior previsibilidade e estabilidade possível às relações humanas.

O que significa dizer que situações consolidadas, mesmo originárias de atos viciados de irregularidades ou até de ilegalidades, não podem ser anuladas, se já existem há muitos anos, não podendo penalizar o beneficiário de situação análoga, que foi utilizado de boa fé por administrações dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Como exemplo prática, podemos citar os casos de servidores públicos que são admitidos no serviço público para ocupar cargos e funções sem a submissão do exigido concurso público, que é ordem constitucional.

Por conta disso, surgiram Súmulas que dão ao Poder Público o direito de rever situações de atos ilegais a qualquer tempo, o que, em tese, puniria impiedosamente servidores que foram admitidos e utilizados pela Administração Pública de qualquer dos poderes, por longos anos, sendo descartados como objetos inservíveis ao bel prazer de um gestor público.

É nesse ponto que os mais renomados constitucionalistas e administrativistas do Brasil e do mundo moderno ressaltam o valor e a importância da SEGURANÇA JURÍDICA, como garantia de DIREITOS ADQUIRIDOS, desde que o titular desses direitos tenham agido de boa fé, e por conta da inércia dos Poderes Públicos, que deixaram transcorrer tantos anos em que adotassem providências para regularização de eventuais irregularidades ou ilegalidades na admissão de pessoal para exercício de funções e cargos públicos, sem a submissão a concurso público.

Prevalece, portanto, o seguinte questionamento: É JUSTO UMA PESSOA SER ADMINITIDA NO SERVIÇO PÚBLICO SEM SUBMISSÃO A CONCURSO SELETIVO E DEPOIS DE 10, 15, 20 E ATÉ 30 ANOS DSE SERVIÇOS PRESTADOS SER DISPENSADO SEM GARANTIA DE QUALQUER DIREITO?

Evidentemente, não. Simplesmente, porque estaria o PODER PÚBLICO locupletando-se de seu próprio ato ilegal, improbo.

Nesse sentido, ocorreu fato de repercussão nacional, no Estado da Paraíba, quando a direção da Assembleia Legislativa daquele Estado, atendendo recomendação do Tribunal de Contas do Estado, demitiu mais de 20 servidores que estavam no serviço público do Poder Legislativo, há mais de 19 anos, admitidos sem submissão a Concurso Público, como impõe a Constituição Federal.

Os servidores dispensados ingressaram com MANDADO DE SEGURANÇA NO Tribunal de Justiça da Paraíba, que manteve a decisão da direção da Assembleia Legislativa, motivando os servidores a impetrar AGRAVO DE INSTRUMENTO no Superior Tribunal de Justiça, contra a decisão do Tribunal de Justiça da Paraíba.

O Superior Tribunal de Justiça, acatando voto do então Relator, Ministro Napoleão Nunes, reconheceu que a falta de atitude da direção da Assembleia Legislativa, por mais de 19 anos, em não regularizar a situação dos servidores, não poderia puní-los por razões que não deram causa, já que a ausência de atitudes para corrigir a ilegalidade partiu do Poder Legislativo Estadual e não dos servidores, que exerceram as funções de seus cargos de boa fé, inclusive, mantendo as suas sobrevivências e de seus familiares com os salários que receberam ao longo daqueles anos.

Determinou, então, o STJ, que a Assembleia Legislativa da Paraíba reintegrasse todos os servidores demitidos, mesmo sem terem sido submetidos a concurso público, porque conquistaram direitos que se não fossem preservados, teriam ferida de morte o princípio constitucional da DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, ao serem usados e descartados como um guardanapo de papel.

A decisão do STJ demonstra muito bem a importância do PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA como sendo o princípio constituidor de uma das vigas mestras da ordem jurídica, como ensina o constitucionalista português JOAQUIM JOSÉ GOMES CANOTOLHO (Direito Constitucional, Coimbra: Almedina, 1991, p. 384), elevado entendimento que é também incorporado Pelo renomado administrativista brasileiro, HELY LOPES DE MEIRELLES )Direito Administrativo Brasileiro, 27ª ed., São Paulo, 2002, p.94).

Aí é que percebemos o relativismo da Súmula 473 do STF, que reconhece na autotutela administrativa o poder de anular seus atos quando eivados de nulidade, porque deles não se originam direitos, porque a SEGURANÇA JURÍDICA contrapõe-se a esse entendimento, quando não considera obsoluta essa autotutela de anular atos que por inércia ou incúria administrativa, permitiu que servidores exercessem funções e cargos ao longo de muitos anos, sem corrigir as irregularidades ou ilegalidades no procedimento de admissão.

Por essa razão, veio a Lei 9.784/99, regulando casos análogos no âmbito do Poder Público Federal, limitando a ação da Administração Pública para corrigir seus atos eivados de vícios, no prazo de 5 anos, do cometimento da irregularidade, o que coincide com a posição de vários juristas e foi muito bem assentado em voto proferido pela Ministra Laurita Vaz, ao dizer que “Não pode o administrado ficar sujeito indefinidamente ao poder de autotutela do Estado, sob pena de desestabilizar um dos pilares mestres do Estado Democrático de Direito, qual seja, o princípio da segurança das relações jurídicas” (STJ, REsp. nº 645.856/RS, j. 24.8.04, pub. DJU 13.9.04, p. 291).

A SEGURANÇA JURÍDICA, portanto, é princípio constituidor de norma e não o contrário, razão porque, em casos de inércia do Poder Público, prevalecerá o respeito à Direitos Adquiridos, porque obtidos de boa fé e por decurso de tempo, segurança que se sobrepõe ao princípio da legalidade não exercida pela Administração Pública.

*Josemar Santana é jornalista e advogado, especializado em Direito Público, Direito Eleitoral, Direito Criminal, Procuradoria Jurídica, integrante do Escritório Santana Advocacia, com unidades em Senhor do Bonfim (Ba) e Salvador (Ba). Site: www.santanaadv.com / E-mail: [email protected]

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