Pesquisadora Margareth Dalcomo desabafa sobre a escassez de vacinas no Brasil: 'Absolutamente injustificado'

20 de Jan / 2021 às 23h15 | Coronavírus

Ao ser contemplada com o Prêmio São Sebastião, promovido pela Arquidiocese do Rio de Janeiro, a pneumologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Margareth Dalcomo fez um desabafo sobre a escassez de vacinas no país, classificando como "injustificado" o fato de o Brasil não ter disponíveis os imunizantes para a população.

"O que é que justifica que, neste momento, um país como o Brasil, a décima ou nona economia do mundo, não tenha uma capacidade competitiva de servir, de servir à nossa obrigação para a qual nós fomos formados. Nós, como médicos, que somos pesquisadores, que temos uma vida pública, o que é que pode justificar, neste momento, cardeal Dom Orani [arcebispo do Rio], que o Brasil não tenha as vacinas disponíveis para a sua população? Isso é absolutamente injustificado. Não há nada, nenhuma explicação que possa justificar isso", lamentou Dalcomo.

Atualmente, o Brasil enfrenta dificuldades para liberar uma carga de 2 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca, produzida pelo governo da Índia em parceria com o instituto indiano Serum.

Ao mesmo tempo, laboratórios brasileiros esperam que a China libere a exportação de dois tipos de ingrediente farmacêutico ativo (IFA) produzido em solo chinês. O IFA é a "matéria-prima" para que as vacinas sejam processadas e produzidas no Brasil.

O atraso afeta a produção brasileira da vacina de Oxford, prevista em um contrato da Fiocruz com o laboratório Astrazeneca; e a produção da CoronaVac, fruto de parceria entre o Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac.

A indefinição sobre o cronograma de importação desses produtos coloca em risco a continuidade do programa de imunização brasileiro – que pode ser interrompido se as novas doses não ficarem prontas até o início de fevereiro.

Visivelmente emocionada, Dalcomo afirmou, no início do discurso, ter recebido a notícia de que as vacinas não viriam da China ou da Índia.

"Eu acho que agora é a hora da sociedade brasileira mostrar, realmente, o que eu tenho tentando chamar [atenção] como médica e como cidadã de consciência cívica. É absolutamente inaceitável que, neste momento, no Brasil, a gente tenha acabado de receber a notícia de que as vacinas não virão da China, e que não virão da Índia", acrescentou.

Em vídeo enviado nesta quarta-feira (20) à TV Globo, a pesquisadora esclareceu que a afirmação sobre as vacinas se referia ao atraso e à "enorme expectativa" de que os imunizantes finalmente cheguem.

"Na verdade, as vacinas chegarão, mas com um atraso que gera em nós uma enorme expectativa. E é com essa expectativa que todos nós continuamos comprometidos pessoal e institucionalmente, para fazer materializar essa ânsia de toda a população brasileira."

A cientista também lembrou que, embora a Fiocruz tenha firmado um acordo de cooperação no ano passado para a entrega do IFA da vacina Oxford/AstraZeneca, o atraso na chegada do insumo representou um fracasso na gestão diplomática.

"Depois de nós termos feito um acordo de cooperação como fizemos, estabelecido ponto a ponto desde agosto do ano passado, que uma instituição pública como a Fiocruz, com a sua linha de produção absolutamente pronta, toda a IFA, o insumo farmacêutico pronto e pago para chegar ao Brasil, e que as gestões diplomáticas tenham fracassado até esse ponto."

Ao retomar as críticas sobre o atraso, Dalcomo foi mais enfática ao dizer que, no momento, a única explicação possível para que país não tenha vacinas para a população é, nas palavras dela, a "incompetência diplomática".

"Não há nada, neste momento, que justifique [o atraso], a não ser a desídia absoluta, a incompetência diplomática do Brasil que não permite que cada um dos senhores aqui presentes, as suas famílias ou aqueles que vocês amam estejam amanhã, ou nos próximos meses, de acordo com o cronograma elaborado, estejam recebendo a única solução que há para uma doença como a Covid-19."

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, negou nesta quarta que problemas políticos e diplomáticos tenham atrasado as negociações do Brasil com Índia e China, nas últimas semanas, para a importação de ingredientes e de vacinas prontas contra a Covid-19.

"Nós não identificamos nenhum problema de natureza política em relação ao fornecimento desses insumos provenientes da China. [...] Nem nós do Itamaraty, aqui de Brasília, nem a nossa embaixada em Pequim, nem outras áreas do governo identificaram problemas de natureza política, diplomática", afirmou Araújo.

G1 Foto Reprodução RBA

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