Opinião: O incansável aprendizado dos mestres

15 de Oct / 2020 às 23h00 | Espaço do Leitor

Há quase oito meses, quando o coronavírus chegou ao Brasil, não era possível imaginar como a vida mudaria de modo radical. A pandemia fechou escolas e universidades. Lançados ao ensino não presencial, os professores se viram em posição inédita e desafiadora. Como tornar possíveis as aulas durante o isolamento social?

Com computadores e celulares, os docentes passaram a investigar e aplicar novas técnicas de ensino e aprendizagem em todos os níveis. Compreenderam o contexto e seguem aprendendo a buscar caminhos para um momento atípico. Neste 15 de outubro, o presente é tão tecnológico quanto humano.

Na Universidade de Brasília (UnB), transcorridos dois meses desde a retomada do calendário acadêmico, o saldo é positivo — e muito graças à intensa dedicação de nossos professores. Já nas primeiras semanas, quando a comunidade universitária ainda se adaptava à realidade, ficou claro o empenho para fazer o semestre acontecer de modo remoto. Mais ainda: os professores se dedicaram a encarar o que parecia impossível até então.

Em junho, pesquisa realizada pelo Comitê de Coordenação das Ações de Recuperação (Ccar) da UnB trouxe um panorama de como estavam nossos professores quando o assunto era o uso de ferramentas tecnológicas. Trinta por cento (ou cerca de 900 docentes) diziam ter conhecimento ruim ou péssimo do Moodle, a principal plataforma on-line da universidade. Além disso, 34% não sabiam produzir vídeos e 64% não haviam feito nenhum treinamento para o uso de recursos virtuais.

Antes mesmo dos resultados da pesquisa, investimos em formação. Mais de 1,5 mil professores passaram por treinamento básico para lidar com o Moodle. Também promovido pelo nosso Centro de Ensino a Distância, o projeto Rotas de Integração Universitária complementou a preparação, com lives e outros mecanismos para troca de experiências. Criamos tutoria específica para que estudantes de graduação, sob a coordenação de um professor, pudessem ajudar colegas docentes e discentes.


Enquanto isso, a UnB fervilhava na internet. Na pós-graduação, 742 defesas de teses e dissertações ocorreram desde março. Embora com atividades de ensino suspensas, a pesquisa e a extensão não pararam. Houve profusão de iniciativas de combate à covid-19. A UnB tem, hoje, quase 200 projetos relacionados ao coronavírus. O Hospital Universitário colocou-se prontamente na linha de frente. Estamos participando do teste de uma das vacinas. E iniciativas similares a essas se repetem nas universidades públicas.

Na primeira avaliação feita pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão após a retomada do calendário acadêmico, ficou claro o comprometimento da comunidade. Nas redes sociais, estudantes elogiam os professores por fazer o conteúdo chegar ao destino: via Moodle, Sigaa, Teams, chats, fóruns, WhatsApp e outros canais. Com auxílio dos técnicos da universidade, apoio compreensivo dos próprios alunos ou suporte dos pares, docentes aprenderam a gravar aulas com celular, buscando melhor luz e enquadramento correto. Conheceram ferramentas de edição e de realização de encontros virtuais. Exploraram inumeráveis possibilidades digitais. Acolheram um admirável mundo novo com correção e coragem.

Ainda não conhecemos os efeitos deste semestre tão diferente. A interação olho no olho, sem a mediação das telas, é rica e necessária. Ao mesmo tempo, a situação deixou docentes mais próximos do mundo dos estudantes, tão acostumados a lidar com tecnologia. O futuro, acredito, será de ensino híbrido, tornando realidade a tão sonhada integração entre educação a distância e presencial. E isso vislumbra a chegada de novas possibilidades didático-pedagógicas.

Não se trata, é claro, de romantizar uma situação dramática. Mas é inegável que professores — dentro e fora da UnB – têm encurtado distâncias. Quando a tela se converte em sala de aula, olhos fazem sobressair detalhes, ouvidos escutam com acuidade. A conexão pode falhar ou cair, o som pode saltar ou sumir repentinamente. O que importa é o compromisso renovado cada vez que estudantes adentram a casa de professores. Uma interação diferente se ergue.

É o que tenho observado e vejo se multiplicar. Professores incansáveis estão à procura da melhor maneira de transmitir conhecimento e compartilhar tolerância, inclusão e afeto. Parabéns, colegas de profissão. Vamos em frente, com a transparência que nos permite felicidade e esperança neste momento de dolorosa pandemia. Tenho certeza de que, juntos, sairemos desta experiência com ainda mais fôlego para promover uma educação verdadeiramente transformadora para nossos estudantes e nosso país.


MÁRCIA ABRAHÃO MOURA

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