Florestan Fernandes 100 anos: Um mestre que atravessa o tempo

22 de Jun / 2020 às 16h45 | Variadas

Hoje com 90 anos, o Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP João Baptista Borges Pereira lembra com saudade e orgulho as aulas do professor Florestan Fernandes (1920-1995), que define como um docente rigoroso e até bravo, mas sensível e muito humano.

“Vivemos uma sincera amizade, mas eu não o tratava como amigo, de igual para igual”, diz Borges Pereira. “Eu o via como um mestre.” Nesta segunda-feira, 22 de julho, completa-se o centenário de nascimento de Florestan Fernandes.

Quando entrou na USP, o paulistano Florestan Fernandes tinha 21 anos. Fez bacharelado em Ciências Sociais na então chamada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da USP, enveredando por um caminho em que questionava as raízes políticas e sociais da formação da sociedade brasileira.

Em 1945, iniciou sua carreira como professor assistente auxiliando o professor Fernando de Azevedo na cadeira de Sociologia II. Entre 1944 e 1946, fez mestrado em Antropologia na Escola Livre de Sociologia e Política, iniciando uma ampla pesquisa sobre os índios tupinambá. Uma pesquisa que continuou em sua tese de doutorado, A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá, considerada um clássico da etnologia brasileira.

“Quando entrei na graduação em Ciências Sociais, em 1955, Florestan estava substituindo Roger Bastide e sempre me incentivou a ir para a sociologia, mas acabei optando pela antropologia”, explica João Baptista.

Florestan Fernandes continuou como professor titular interino até 1964, quando se efetivou na cátedra com a tese A Inserção do Negro na Sociedade de Classes, um trabalho que continua atual diante do questionamento sobre a democracia e as questões raciais. Defendia: “Na verdade, nós nos acostumamos à situação existente no Brasil e confundimos tolerância racial com democracia racial. Para que esta última exista, não é suficiente que haja alguma harmonia nas relações raciais de pessoas pertencentes a estoques raciais diferentes ou que pertencem a ‘raças’ distintas”.

Segundo Florestan, democracia significa fundamentalmente igualdade racial, econômica e política. E ponderava: “ O padrão brasileiro de relação social, ainda hoje dominante, foi construído por uma sociedade escravista, ou seja, para manter o negro sob a sujeição do branco. Enquanto esse padrão de relação social não for abolido, a distância econômica, social e política entre o negro e o branco será grande, embora tal coisa não seja reconhecida de modo aberto, honesto e explícito”.

O aluno João Baptista Borges Pereira e o professor Florestan Fernandes eram vizinhos, moravam no bairro paulistano de Moema. Em 1964, quando João Baptista apresentou a dissertação de mestrado Cor, Profissão e Mobilidade – O Negro e a Rádio de São Paulo, orientado por Oracy Nogueira, fez questão de chamar Florestan Fernandes para a banca. 

“Ele foi muito severo. Fez muitas críticas, talvez ainda chateado por eu ter seguido a antropologia e não tê-lo chamado como orientador”, relembra. “Mas fui aprovado. E naquele dia voltei devagar para casa. Quando cheguei, encontrei o professor Florestan sentado na sala. Levei um susto. Mas ele disse: ‘Vim me desculpar e parabenizar pelo trabalho’. Fiquei feliz. Era o mestre.” O aluno na antropologia e o professor na sociologia seguiram dividindo ideias e defendendo a ciência e a cultura, o respeito à diversidade e a tolerância.

Em 1964, com o golpe militar, Florestan foi preso. Em 1969, obrigado a se aposentar na USP, foi exilado pela ditadura militar. Viveu no Canadá e nos Estados Unidos. Atuou como professor nas Universidades de Columbia e Toronto. Em 1972, retornou ao Brasil. Em 1977, foi lecionar na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, e no ano seguinte voltou ao Brasil contratado pela Universidade Católica (PUC) de São Paulo como professor titular.

João Baptista Borges Pereira homenageia os 100 anos de nascimento de Florestan destacando o seu trabalho na sociologia, reconhecido no Brasil e na América Latina. “Ele orientou inúmeros trabalhos de mestrado e doutorado e tem um legado importante para o passado, o presente e o futuro do País, com cerca de  50 obras publicadas.” 

 Leila Kiyomura-Jornal da USP

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