Especialistas destacam atuação da sociedade civil como fundamental no enfrentamento às violências contra as mulheres

20 de Feb / 2020 às 16h04 | Variadas

A violência contra mulheres e meninas é uma das violações de direitos humanos, baseadas em gênero, mais recorrentes no mundo. Segundo dados da ONU - Organização das Nações Unidas, uma em cada três mulheres sofrerá abuso físico ou sexual durante a vida.

Apesar dos inúmeros esforços dos dispositivos e equipamentos de governo disponíveis e existentes para prevenção e enfrentamento, nos âmbitos local, nacional e internacional, os casos seguem aumentando.

Neste sentido, a luta impulsionada por organizações da sociedade civil se apresenta como estratégica para a mudança deste cenário.  

Segundo dados da 13ª Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2018, 1.206 mulheres foram vítimas de feminicídio, sendo 61% delas mulheres negras e 52,3% dos assassinatos cometidos por arma de fogo. Em 88,8% dos casos, o autor era o companheiro ou o ex-companheiro da vítima. Para Vilma Reis, socióloga e integrante da Mahin - Organização de Mulheres Negras, a violência contra as mulheres é uma “desigualdade de gênero brutal” que tem a ver com a “cultura de violência que se manifesta em situações cotidianas, de negação das mulheres”.

O Relatório de Situação da População Mundial 2019 (SWOP), lançado globalmente pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e intitulado Um trabalho inacabado: a busca por direitos e escolhas para todos e todas, aponta que para alcançar o desenvolvimento e para que todas as pessoas desfrutem de direitos, a violência baseada em gênero precisa ser enfrentada. Violências como a sofrida há mais de um mês, por Elitânia de Souza Hora, 25, violentamente assassinada a tiros, a despeito de uma medida protetiva, em um caso suspeito de feminicídio, no interior da Bahia (confira nota pública de repúdio emitida pelo UNFPA Brasil).

Esforços para transformação social

Para Reis, a existência dos movimentos sociais e de instituições, coletivos, grupos, redes e organizações não governamentais são fundamentais para reverter e/ou reduzir o impacto destas problemáticas sociais. “O cenário está mudando no Brasil por conta das mulheres que se levantaram após Marcha de Mulheres Negras, em 2015, e das organizações que fazem um novo feminismo negro com as mulheres jovens negras”.

A socióloga mencionou organizações que considera referências na promoção dos direitos das mulheres: Geledés, em São Paulo, a Criola, no Rio de Janeiro, a Rede de Mulheres Negras e o Instituto Odara, ambas em Salvador, e a Rede de Mulheres de Terreiros. “Cada uma na sua diversidade política é importante. Eu integro a Mahin, uma organização que vem assumindo tarefas políticas ao lado de muitas outras para mudarmos a representação política no país”. Para ela, as questões enfrentadas pela sociedade civil estão relacionadas ao Brasil ser conservador. “O nosso país faz controle a sexualidade das mulheres. Isso é violência. A saúde sexual das mulheres é colocada no lugar reprodutivo ou de anulação”.  

Ainda de acordo com Vilma, a luta da sociedade civil é de “guerra de sentido”. “Tem um velho mundo que não aceita que chegamos no século XXI e estamos promovendo uma revolução. A sociedade só está onde está porque nós mulheres negras feministas, LGBTQIs, de candomblé e outros segmentos religiosos, lutamos contra a cultura de violência disseminada contra nós”. E estas mulheres estão espalhadas em organizações e espaços importantes em pautar e enfrentar às violências, tais como: Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde (SP), Themis – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero (RS), Rede Feminista de Saúde, Agência Patrícia Galvão (RJ), entre tantas outras.

Para Talita Rodrigues, psicóloga, mestranda em saúde pública pela Fiocruz e integrante do Coletivo Mangueiras, as organizações feministas de forma geral e de direitos humanos, precisam e devem estar nas comunidades ao lado das mulheres fazendo o fortalecimento político, mas também denunciando as negativas de direitos. Ou seja, não substituindo o dever do Estado. “Em Pernambuco tenho visto na incidência no âmbito do combate à violência, o Grupo Curumin, o SOS Corpo, a Rede de Mulheres Negras, o Fórum de Mulheres de Pernambuco e o Mangueiras, que tem feito várias atividades de formação em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos”, destacou.

“Apesar de termos movimentos de mulheres fortes, que ganharam muito no âmbito dos direitos das mulheres, temos leis ainda muito restritivas no âmbito dos direitos sexuais e reprodutivos, por exemplo”, reflete Rodrigues ao enfatizar a importância da presença destas organizações na defesa dos direitos das mulheres e luta contra o conservadorismo. “Apesar de todas as conquistas, a gente percebe a dificuldade histórica em pautar o aborto antes e agora, ainda mais, devido ao poder das igrejas crescendo”.  

A pesquisadora mencionou a importância da Articulação de Mulheres Brasileiras e a Articulação de Mulheres Negras Brasileiras, que tem sustentado o debate e representado estas organizações o debate no âmbito internacional e novas frentes que se apresentam com o avanço das mídias sociais e novas tecnologias. “Outro fenômeno que não podemos deixar de pontuar neste enfrentamento são os coletivos de jovens, de comunidades e grupos de internet, outras formas de organização que as mulheres tem construído para lidar com as dinâmicas do dia a dia e enfrentar as várias violações que sofremos”.  

Ascom

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