Artigo - Com quantas mídias se faz uma democracia?

07 de May / 2019 às 07h15 | Espaço do Leitor

Hoje (segunda, dia 06) um assunto foi motivo de muitos comentários em determinados espaços profissionais, políticos e de difusão de informação em Juazeiro (BA). A Tv São Francisco, afiliada da Rede Bahia/Grupo Globo, demitiu 15 pessoas, o que acarreta no desemprego de profissionais da comunicação e, principalmente, na perda de dois telejornais com notícias locais: o Jornal da Manhã e o BATV.

A empresa, que já mantinha suas equipes sobrecarregadas e com pouca estrutura para produção de notícias, sobretudo fora da cidade, agora deixa a região sem uma programação regionalizada, podendo contar apenas com matérias pontuais nos telejornais da Rede Bahia.

O fato representa um retrocesso. No Brasil, a produção de conteúdo regional é escassa. Assistimos jornais, novelas, programas musicais baseados na cultura de poucas cidades, com forte predominância da região Sul e Sudeste. O modo de vida das pessoas que vivem nas cinco regiões do país, espalhadas em mais de cinco mil municípios, não é representado pelos grandes canais de televisão que operam com autorização do governo federal. Ou seja, a comunicação é um serviço público, porém, na prática, quem comanda é a iniciativa privada, os chamados “donos da mídia”.

A perda de telejornais como o BATV e o Jornal da Manhã aniquilam o espaço, que já era pouco, para veiculação de notícias sobre a realidade do povo, sobre os problemas coletivos, a ausência de alguns direitos. Isso só reafirma o que já sabemos: o grupo Globo não tem nenhum compromisso com a democracia brasileira.

Sabemos que a Rede Globo não é neutra, ela tem lado, apesar de forjar-se sobre um discurso de imparcialidade. Ela também sonega impostos e mantém uma diversidade de veículos sob seu comando (tv, rádio, portal, revista, jornal), violando a Lei das Comunicações que proíbe esta prática, a chamada propriedade cruzada. Usa ainda a lógica das tv’s afiliadas para burlar outro item da legislação que proíbe uma única empresa ou grupo de ser dona de uma infinidade de canais. Como se não bastasse, o grupo mantém políticos de mandato dando a linha no veículo, a exemplo do prefeito de Salvador ACM Neto que é um dos donos da Tv Bahia. Podemos dizer que ACM Neto é um coronel da mídia.

A televisão no Brasil chegou na década de 1950 e rapidamente se popularizou como um veículo de comunicação de massa, ou seja, transmite informação para um grande número de pessoas. No Vale do São Francisco a cada década ela chegava mais longe, sendo hoje um aparelho presente na maioria das residências, pontos comerciais, estabelecimentos públicos, etc. No campo ou na cidade, em todas as classes sociais, através do aparelho as pessoas se informam, se entretém, se alienam, se tornam mais consumistas, formam opiniões, etc.

A maior parte da população não sabe que Comunicação é um direito humano. Este Direito consta na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Brasil consta no Capítulo V da Constituição Federal, proclamada em 1988. A negação deste direito afeta outros. Se o direito à expressão não for permitido como denunciar, por exemplo, a violação do direito a água, alimentação, saúde, moradia, educação?

Pois bem, as mudanças sociais, políticas e econômicas da atualidade estão dando o tom também nas comunicações. Já é comum encontrar a Tv ligada na sala, gerando audiência contabilizada pelas empresas, porém com seus/suas espectadores/as com a atenção voltada para a tela do celular, fascinados/as com o mundo todo que a internet lhes oferece e a Tv muitas vezes oculta, silencia, distorce. O poder das redes de televisão ainda é gigante, com forte destaque para a mais citada aqui neste texto. Contudo, outras vozes já começam a serem ouvidas. E não podemos deixar essa bonde passar. Escutem bem, minha gente, não podemos!

É hora de fortalecer uma outra comunicação. Somos tantas mulheres e homens, com inúmeras formas de nos comunicar. Devemos ocupar espaços midiáticos, fazendo-nos representar. É hora de mostrar nosso sotaque no youtube, ao invés de ver nossos/as conterrâneos/as mudarem o seu para ocupar a bancada do jornal. É hora de fazer uma transmissão ao vivo direto do interior do município sem esperar que a equipe de Tv se desloque até lá ou cancele a pauta porque não surgiu algo mais perto e mais urgente. É hora de usar o celular como um editor de vídeo e denunciar o esgoto estourado na sua rua. É hora de fazer zuada. Vem, que a hora é essa!

Por fim, vale lembrar que aqui falamos de uma comunicação popular, do povo e para o povo. Não adianta nos alegrarmos com um presidente que declarou guerra à Rede Globo, mas está colocando outra emissora como favorita. Isso é apenas um troca de lugar, em nada favorece a democratização da comunicação.

Nossas mídias precisam ser diversas, cheias de cores, de cheiros, denunciando as injustiças e reconhecendo nossas potencialidades. Nossas mídias precisam ser muitas, inúmeras na verdade, em todas as plataformas, construindo a democracia a partir das vozes do povo que deve ter voz ativa, antes que o silêncio da censura chegue e tire nossa vez.

Por Érica Daiane Costa - salitreira, comunicadora social (jornalista), professora, militante social e recentemente criou o canal “E aí minha gente?!”, onde divulga vídeos temáticos no youtube e no facebook.

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