Livro discute cultura do estupro a partir de relatos de agressores e vítimas de casos de violência sexual em Petrolina

30 de Oct / 2018 às 15h00 | Variadas

Quando a sociedade arranja motivos para culpar as vítimas de assédio ou violência sexual, naturalizando esses atos, e tratando-os como “normais”, existe uma cultura do estupro. A origem, os fatores que influenciam e a consolidação dessa cultura são abordados no livro reportagem ‘Silêncios que ecoam: corpos, dinâmica e campo gravitacional da Cultura do Estupro’, da jornalista Dayane Késia, que traz relatos sobre casos de violência sexual em Petrolina, no Sertão de Pernambuco.

Resultado de um trabalho de conclusão de curso (TCC) da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em Juazeiro, na Bahia, o livro, produzido em 2017, conta com uma riqueza de conteúdos que vai além das referências jurídicas, sociais, históricas e psicológicas sobre o tema. Através de relatos reais de homens que estão presos condenados por estupro e de mulheres vítimas de violência sexual, a jornalista traz à tona uma discussão global sobre a cultura do estupro, a partir de uma realidade local, já que as entrevistas foram feitas em Petrolina.

“Primeiro, fui em busca de instituições que pudessem desenvolver alguma função sobre o tema, como o Instituto Médico Legal (IML), a Delegacia da Mulher, a Vara Doméstica. Em seguida, procurei o Presídio de Petrolina, e lá tive acesso a inquéritos polícias, e a partir deles fui delimitando o corpo de minha pesquisa, fiz entrevistas a mais de três presos condenados por estupro”, relatou Dayane. Segundo a jornalista, a última etapa do processo de entrevistas, que foi com as mulheres vítimas de estupro, foi a mais difícil.

Mais de 49 mil casos de estupro foram registrados no Brasil em 2017, segundo o Anuário de Segurança Pública. Avalia-se ainda que esse número corresponda a apenas 10% dos casos de violência sexual. Esses dados nacionais estão no livro reportagem, que também traz uma pesquisa feita por uma estudante da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina (Facape), com um mapeamento dos casos de estupro na cidade, de janeiro de 2010 a dezembro de 2015, além de dados coletados no IML sobre a quantidade de exames sexológicos realizados pelo instituto.

Foi um caso de estupro coletivo em um município de Piauí, no nordeste brasileiro, ocorrido em 2015, que chamou a atenção de Dayane para a temática da violência sexual. A sensação de que a cultura do estupro existia, mas não estava em evidência nas discussões sociais, provocou na jornalista a vontade de pesquisar sobre o assunto.

“Foi algo muito instintivo. Eu ficava inconformada e sufocada a cada vez que ouvia um novo relato sobre casos de estupro. Com o caso do estupro coletivo em Castelo do Piauí, as ideias começaram a se organizar na minha cabeça e eu tive a certeza de que um livro sobre a temática poderia ser uma forma de gritar sobre uma realidade tão escondida”, destacou.

Ao longo do livro reportagem, a culpabilização das vítimas de violência sexual, explicada pela cultura do estupro, é atestada pela jornalista, que procura defender que a maioria dos casos de violência sexual estão relacionados com o fato de as vítimas serem mulheres.

“Durante as entrevistas, ficou claro que nenhum dos agressores se sentiu atraído pela roupa que a vítima usava, os locais dos crimes, tão distintos, não abre espaço nem para se fazer algum tipo de comparação, e isso sem contar com a diferença de horários e perfis das vítimas. Nada além da condição feminina foi necessário para que o crime fosse consumado", afirmou Dayane.

O título 'Silêncios que ecoam: corpos, dinâmica e campo gravitacional da Cultura do Estupro’, segundo a autora, é referente ao silêncio das vítimas de violência sexual, que pode repercutir de várias maneiras na sociedade, contribuindo ainda mais para o fortalecimento da cultura do estupro.

O subtítulo é uma metáfora alusiva ao sistema solar, que é formado por corpos celestes, e tem uma dinâmica e um campo gravitacional. Identificando os entrevistados com nomes de planetas, a autora faz uma relação com os corpos dos agressores e das vítimas, com os crimes e os espaços onde a cultura do estupro se mantém. A obra pode ser adquirada online.

G1 Petrolina Foto: Divulgação

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