A DOR SELETIVA

A dor da sociedade é seletiva! De fatos, a dor da sociedade é seletiva, bem como a capacidade de análise desta mesma sociedade, em relação ao que está para além do seu umbigo. Assim, convido a analisarmos alguns fatos juntas/os: Toda/o brasileira/o se comoveu com o atentado terrorista no jornal francês Charlie Hebdo, mas ninguém derramou uma lágrima pelas/os desabrigadas/os e atingidos pelo rompimento da barragem da Samarco, em Mariana - MG. Todo mundo se compadeceu e se revoltou com o incêndio da boate Kiss em Santa Maria – RS, mas ninguém repudiou o massacre dos índios Guarani Kaiowá. A população ficou em polvorosa, absorta e comovida com a situação dos imigrantes palestinos na Europa, mas fizeram pouco caso da situação desumana dos haitianos, também imigrantes, no Brasil.

Crimes de racismo acontecem todos os dias e todas as horas, mas são ignorados, porque são considerados exageros, mi mi mi, como dizem os incautos e irreconhecíveis racistas. Mas, se a/o discriminada/o for a Majú ou a Taís Araújo da majestosa rede globo, em segundos surgem várias hastags e fotos de redes sociais com as afirmativas de que #SomostodosMaju e #SomostodosTaísAraujo, vide também caso Daniel Alves. Um estudante de direito é atropelado e morto no centro de Juazeiro, causando revolta, questionamentos, indignação e impunidade do criminoso. Um ciclista é atropelado em uma avenida do Rio de Janeiro, tem seu braço arrancado e jogado fora pelo seu atropelador, nenhuma nota de repúdio na imprensa. A não ser a veiculação momentânea do fato, mas nada de ir às ruas para que seja feita justiça contra o criminoso. Vários outros casos semelhantes como o do filho da atriz Cissa Guimarães; Thor Batista, nestes casos, um houve repercussão e punição, ao contrário do outro, que teve punição branda, por ser considerado homicídio culposo (quando não há intenção de matar), sem repercussão e sem manifestação popular.  O Brasil é racista, elitista e o sistema é opressor! Conceito comum entre boa parte da sociedade. Sim, tudo isso é real.

Eu poderia ficar aqui, elencando casos e casos não repercutidos socialmente, em termos de comoção, mobilização e indignação, mas vou direto ao que interessa: caso Beatriz. Andam circulando inúmeros rumores acerca da comoção, indignação e repercussão local do caso, considerando-as excessivas, pois, afirmam que crianças morrem todos os dias, vítimas da negligência do governo, do descaso da sociedade e da opressão do sistema e ninguém se levanta em brados por justiça, para reverter isso.  Lembram da criança índia, que foi morta nos braços da mãe enquanto era amamentada?

Pois bem, como convoquei no início, vamos à análise:

 Beatriz Angélica Mota: branca, de classe média e estudante de uma escola renomada, escola essa que estudou a ilustríssima Ivete Sangalo e formou “os doutores” de Petrolina, ou seja, atende aos padrões burgueses. Mas será que isso a torna indigna de comoção, indignação e clamor por justiça, por sua vida tirada de forma estúpida? Torna essa causa ilegítima? Não. Não torna, Geraldo. Beatriz Angélica era filha de uma comerciária e um Professor, estudava na escola junto com sua irmã e irmão, DE GRAÇA, pois sendo o pai funcionário da mesma, gozava de tal prerrogativa que lhe dava este benefício. Portanto, gente comum como a maioria das cidadãs e cidadãos deste Brasil. A mãe e o pai de Beatriz são pertencentes à classe trabalhadora desse país, de maneira que, este, já é um dos maiores requisitos, para que tenham o direito de clamar por justiça, pois são, como a maioria, cumpridores dos seus deveres e obrigações, enquanto contribuintes e vítimas do estado enquanto classe. Beatriz Angélica, não era filha de “dôtô”, se assim o fosse, com certeza, este caso já tinha sido solucionado.

Segundo ponto a se destacar é o de que o crime não foi um crime comum. Foi um assassinato atípico, pelas características expressas no corpo da vítima, pela circunstância em que aconteceu e pelas evidências encontradas. Ele, por si só, já é suficientemente justificável de clamor por justiça. Convenhamos que, se fosse um crime comum, já tinha sido elucidado, pois não pairariam tantos mistérios, falta de informação e falta de colaboração. O terceiro e último ponto, se não, o mais importante, é o local do crime, também atípico e inimaginável, pois, trata-se de uma escola renomada, consagrada, respeitada, supostamente segura e, o principal, CATÓLICA.  

Diante de todas essas menções, considerando os acontecimentos últimos em relação à falta de informação e demora na elucidação do caso, falta de colaboração por parte da escola (com que intuito, não se sabe), quem está sendo o oprimido, a vítima do estado (palavras retóricas em diversos segmentos sociais, imbuídos em causas humanitárias), moroso, quando teme algo??? Quem?

Geraldo, não se suplanta uma dor, para sobrepujar à outra. Não se julga um fato ou situação, se não possui conhecimentos profundos sobre. O bom senso pede que não desvalorize a dor do outro, não tome a sua causa, o seu reclame por parâmetro, para medir o outro, não deslegitime e nem descaracterize a dor de quem chora, pois só a dimensiona quem a sente, ou já foi atingida/o por ela. A dor da sociedade pode até ser seletiva. Mas, a dor de uma mãe que perde uma/um filha/o, é universal.

QUEILA PATRÍCIA

Professora de Língua Portuguesa.

Graduanda do curso de Ciências Sociais - Univasf