E a violência? Ela nos venceu?

A sociedade parece viver com uma sensação de esgotamento coletivo pairando no ar. Muitos sentem, mas poucos conseguem expressar, que a violência não é mais apenas um comportamento isolado ou um desvio de conduta. Ela se transformou em algo maior, mais profundo, como uma doença silenciosa que corrói as estruturas da convivência social. É como se estivéssemos anestesiados diante da brutalidade, mergulhados num estado em que o medo dita as regras e a compaixão se retrai. A advertência de Mateus 24:12 parece atual demais: “E, por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará”. A iniquidade está se multiplicando e o amor congelando. Violência é sintoma, mas também é sistema. E é tão complexa quanto uma síndrome. Não há solução mágica que não perpasse por mais justiça social, igualdade e desenvolvimento social e econômico. Isso inclui melhor saúde, educação e moradia, mas também uma segurança pública que valorize o ser humano e seja humanizada em todos os aspectos. Vícios de comportamento precisam ser abolidos e substituídos por uma visão evoluída que transforme realidades e não apenas combata o indesejável. E isso requer coragem.

É exatamente isso que se revela numa sociedade que, apesar de se afirmar religiosa, em parte, parece ter esquecido a essência do cristianismo. Há muitas Igrejas, mas pouco Evangelho na prática cristã que vemos nas ruas. Não ocasionais, atrás de likes, mas ações contínuas e duradouras de amor, socorro e solidariedade. Jesus acolhia os excluídos, tocava os impuros, chorava com os sofridos. Muitos que hoje se dizem cristãos preferem apontar dedos em vez de estender mãos. O amor que deveria ser prática diária virou retórica vazia. Falta coerência entre a fé que se professa e a vida que se leva. Não basta orar, pregar e cantar. É necessário agir com compaixão, justiça e coragem. Mesmo uma sociedade que se declara religiosa e conservadora pode se esquecer do básico. Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo não é enfeite do discurso cristão, é a essência. Precisamos, enquanto cristãos, ser mais do que espectadores ou críticos à distância. Precisamos ser sinodais, caminhar junto dos que mais sofrem, dos que foram deixados à margem, dos que erraram e ainda assim são dignos de recomeço. Excluir não é o caminho do Evangelho. O Cristo que seguimos não rejeitou pecadores, rejeitou a hipocrisia. Se não formos presença entre os que sangram, nossa religião será só ruído.

O tecido social está arrebentado por dentro. Vivemos numa era de fragmentação em que os grupos se isolam, os discursos se endurecem e o diálogo se torna quase impossível. Cada bolha acredita possuir toda a verdade e o diferente passa a ser visto como inimigo. A sociedade se quebrou em guetos de ideias, tribos ideológicas e pequenas trincheiras morais. Já não se busca entendimento, mas apenas validação. Essa divisão constante entre “nós” e “eles” nos torna vulneráveis, manipuláveis e incapazes de pensar coletivamente. A ideia de nação, de povo, de humanidade comum se esvai no ruído das redes e na rigidez dos posicionamentos. Há uma guerra não declarada, não reconhecida, em andamento no Brasil. E eu pergunto: o que faremos a respeito? Continuaremos nos bombardeando mutuamente a fim de destruir a infraestrutura existencial do outro, ignorando que sociedade vem de sócio? Somos parceiros em um mundo do qual não dá para descermos. A polarização político ideológica não favorece um debate maduro e resolutivo. Ela alimenta egos e projetos de poder, gerando ambientes de manipulação e alienação dos menos informados e facilmente manobráveis. E estes estão em todos os espectros ideológicos e políticos. Crer é também pensar. Quem afirma crer em Deus deve enxergar o mundo com a ótica da ética bíblica, cristã, jamais com a da conveniência excludente e intolerante. Dialogar é preciso, mesmo sendo diferentes. Conversar nos aproxima.

Diante disso, a pergunta inevitável é: o que fazer? Continuar reproduzindo a lógica da violência só reforça a sua força. A exclusão não se resolve com mais exclusão. A brutalidade não se corrige com mais brutalidade. O caminho é a reconstrução. Isso exige coragem e investimento sério em políticas públicas que façam sentido. Requer mais do que palavras, requer presença. Requer um novo olhar sobre segurança, justiça, pobreza, vício e juventude. Exige que sejamos, individual e coletivamente, mais humanos, solidários e dispostos a ouvir e caminhar juntos. Amar mais, agir mais, julgar menos. Educar mais, punir menos. Incluir mais, esquecer menos. Fé que se torna vida e transforma vidas.

O mundo jaz no maligno e em trevas e Jesus disse que nele devemos ser sal da terra e luz deste mundo perdido. Só vejo um meio: ser exemplo. Fazer aquilo que esperamos e desejamos ver no mundo. Mais amor, solidariedade, compaixão e cuidado com os mais pobres e sofridos. A responsabilidade é de cada um. Não podemos mais esperar que mudanças venham apenas de fora ou de instituições distantes. O chamado é para agir com coragem e autenticidade, sendo luz na escuridão, amando sem distinção e construindo pontes onde há muros. Somente assim poderemos deixar um legado de esperança humanidade para as futuras gerações que virão após nós. A Igreja existe para ser uma voz profética que denuncia as injustiças e promover a igualdade. E não foi criada para defender privilégios, justificar condutas impróprias com reinterpretação bíblica, nem gastar tempo e energia buscando ostentação e poder, sendo indiferente aos que sofrem vivendo em pobreza, em exclusão social. 

Teobaldo Pedro, Juazeiro - BA. cristão e líder comunitário - Imagem fotos Públicas Paulo Pinto/Agênc