"Sequelas da covid longa são um desafio", analisa neurologista que pesquisa a doença

Um estudo mostra que pessoas com a chamada covid longa — quando os sintomas da infecção pelo vírus SARS-CoV-2 persistem por mais de 12 semanas — podem ter sequelas cognitivas amenizadas por meio de reabilitação. O responsável pela pesquisa é Josep Vendrell, neurologista do Hospital de Santa Creu i Sant Pau, em Barcelona, na Espanha, que conversou com as jornalistas Carmen Souza e Sibele Negromonte no Podcast do Correio.

Ele destacou as melhorias observadas em pacientes que utilizaram exercícios focados na recuperação de memória e no aprimoramento da atenção pós-infecção pelo vírus da covid.

Os resultados desse estudo desenvolvido na região de Barcelona serão apresentados no Congresso Latino-Americano da World Federation for Neurorehabilitation: Neuroplasticidade e Neurorreabilitação (WFNR), que ocorrerá em Brasília de amanhã até sexta-feira. O evento, organizado pela Rede Sarah, contará com palestras, apresentações de pesquisas e painéis de grandes nomes internacionais da área de neurociência, como os neurocientistas Stanislas Dehaene, da França, e Lúcia Willadino Braga, da Rede Sarah, que discutirão a capacidade do cérebro para se desenvolver e se reorganizar, modificando suas estruturas e funções em resposta a experiências, aprendizagem e reabilitação.

Confira trechos da entrevista Correio Braziliense:

Como a covid longa afeta os pacientes?

A covid longa é uma consequência da fase aguda, ou seja, da primeira fase da infecção. A covid ainda é uma enfermidade desconhecida, então, a longa é ainda mais desconhecida. Estamos começando a descobrir e estudar essa síndrome porque ainda há muitos médicos que não a consideram como verdadeira. A covid longa ocorre após uma breve recuperação, quando há uma piora no quadro da infecção. Até então, observamos sinais de uma grande fadiga, a piora do quadro respiratório do paciente, além de problemas de memória e atenção, que chegam a afetar a leitura da pessoa. Esses problemas interferem muito na vida diária dos pacientes. Eles necessitam de uma atenção especial. Por exemplo, uma paciente me disse que era uma grande leitora, e lia um livro por mês. Depois da doença, não consegue ler após uma ou duas páginas. Isso é muito grave, representa uma desorganização da vida da pessoa.

Como sua pesquisa tem investigado esse fenômeno?

Escolhemos um grupo com 81 pessoas, em junho de 2024. Então, adaptamos o programa de telemedicina, que foi desenvolvido no final do século passado, para a reabilitação cognitiva em pacientes de covid longa. Utilizamos esse mesmo método para o tratamento de esquizofrenia, lesões cerebrais, acidente vascular cerebral (AVC), Alzheimer e demência. O processo de recuperação consiste em exercícios de atenção, de memória, de linguagem, de leitura e de raciocínio, que foram mostrados em uma tela. E o paciente realizava esses exercícios. É válido comentar que nosso estudo começou analisando os problemas de memória e atenção. Depois, um médico cardiologista veio para nos ajudar. Passamos a analisar também quadros de fadiga que eram relatados por alguns desses enfermos. Por exemplo, teve uma outra paciente que afirmou que não apresentava fadiga ao andar ou falar, entretanto, se ela falasse e andasse ao mesmo tempo, ficava extremamente fadigada.

Há reversão para esses sintomas apresentados?

Essa é a pergunta que nós fizemos, estamos trabalhando para conseguir essa resposta. Seguramente há uma forma, mas não sabemos exatamente como fazer essa recuperação. Pensamos da seguinte maneira: se você não pode curar, o ideal é melhorar. Se você não pode melhorar o problema, o ideal é ter empatia com o paciente para ajudar a compreender o problema. Mas temos alguns resultados positivos com o grupo que começamos em junho do ano passado. Há algum tempo, uma dessas pessoas analisadas me disse que se não faz os exercícios da pesquisa por alguns dias, percebe que seu quadro de atenção e memória apresenta uma regressão significativa. Além disso, posso citar o que fizeram na própria Rede Sarah. Após três anos de reabilitação, os pacientes também estão apresentando uma melhora no quadro. Essas pesquisas são realizadas a longo prazo, como os resultados da Rede Sarah. Isso coincide muito com o estudo que nós fizemos em pacientes esquizofrênicos e outras doenças psiquiátricas que afetam o processamento mental, como acontece em quadros de covid. 

Há dados de quantas pessoas foram atingidas pela covid longa? Qual o gênero e a faixa etária mais atingida pelos sintomas dessa síndrome?

Não tem um número exato, mas é um índice considerável de pessoas que foram atingidas pela síndrome. As mulheres são as mais acometidas. Em todos os estudos que realizamos, o sexo feminino é o mais atingido. Em relação à idade, pessoas entre 40 e 50 anos costumam apresentar mais quadros de covid longa.

Somente as pessoas com um quadro mais grave podem desenvolver a covid longa?

Isso ainda não conhecemos muito, é um mistério. Há relatos de pessoas que tiveram um quadro simples da doença e apresentaram sintomas, assim como há relatos de pessoas com um quadro bem mais crítico. Entretanto, as alegações são as mesmas de perda de memória, névoa mental e falta de atenção. 

Com a pandemia, o uso de telas por crianças e adolescentes cresceu muito, e excesso desses dispositivos pode comprometer o desenvolvimento cognitivo. A covid também pode agravar esses problemas?

Para as crianças, a melhor solução é não ter uso excessivo até os 18 anos, o que é quase impossível. Isso não quer dizer proibir o uso dos celulares, mas educar para o uso correto. As telas podem ser perigosas, se mal utilizadas pelas crianças. O uso do celular não compromete diretamente a memória e a atenção da criança, o que vai gerar esse efeito é a falta de exercício da memória e da atenção. O celular tem sistema para captar a atenção das crianças em propagandas e anúncios. Agora, uma infecção pela covid não pode potencializar esse comprometimento cognitivo que vem do uso excessivo de celulares.