Artigo - A Formação em Xeque: O Xadrez e a Urgência de Resgatar Valores na Infância

Apresentar diversas modalidades esportivas durante o crescimento infantil tornou-se uma prática comum entre os pais, que enxergam no esporte um valioso complemento à formação de seus filhos. Mais do que um passatempo, o esporte configura-se como um microcosmo das disputas cotidianas que inevitavelmente surgirão na vida adulta.

Neste cenário, a resiliência, a capacidade de superar infortúnios sem sucumbir à lamentação, emerge como um atributo essencial a ser cultivado.

Para aqueles com formação cristã, o esporte oferece ainda uma analogia prática da jornada espiritual e pessoal, onde a busca incessante por aprimoramento moral e ético se destaca como missão primordial.

Dentre o leque de atividades esportivas, o Xadrez, um jogo historicamente reverenciado como "Nobre", associa-se a praticantes dotados de educação, inteligência e honradez. O cavalheirismo outrora regia as partidas, onde o cumprimento cordial ao adversário, tanto no início quanto ao final do jogo, e o desejo sincero de uma boa disputa transcendiam a mera busca pela vitória. O valor do oponente e o crescimento pessoal do jogador eram intrinsecamente mais relevantes do que o resultado.

Entretanto, uma preocupante erosão desses valores de honra e civilidade tem se infiltrado na formação de nossas crianças, impulsionada por regulamentações estabelecidas por adultos em federações que, por vezes, priorizam a competição em detrimento da educação do jovem enxadrista. Em alguns casos, professores e treinadores adotam a prática de ensinar "macetes" superficiais, incentivando a vitória a qualquer custo, em detrimento do desenvolvimento de um caráter íntegro e de um aprendizado profundo do jogo.

Dentre os diversos desvios observados nessa formação inicial, destaca-se a controversa orientação para que as crianças não avisem o xeque ao adversário.

Avisar o xeque no xadrez, especialmente em competições escolares envolvendo crianças com menos de 12 anos (uma fase em que a excelência no jogo ainda é uma exceção), pode ser interpretado como uma manifestação de etiqueta e cortesia com múltiplos benefícios:

Auxílio ao Iniciante: Para aqueles que ainda desvendam as complexidades do tabuleiro, o aviso serve como um farol, alertando para a ameaça iminente ao seu rei e facilitando a compreensão dos padrões de ataque.
Comunicação Amigável: O anúncio do xeque estabelece um canal de comunicação mais aberto e colaborativo entre os jovens jogadores, tornando a experiência da partida mais agradável e menos intimidante.
Etiqueta e Cavalheirismo: A tradição de alertar sobre o "xeque", embora não codificada em regras oficiais, ecoa os valores nobres que historicamente adornaram o xadrez, cultivando a cortesia e o respeito mútuo entre os competidores.
Contudo, essa perspectiva formativa parece estar sendo negligenciada. Infelizmente, testemunhamos uma geração adulta marcada, em muitos casos, pela mesquinhez e por disputas que acirram a desigualdade social. Um cenário onde a disposição para ensinar e a empatia no ambiente de trabalho rareiam, substituídas pela torcida pelo fracasso alheio como trampolim para o crescimento individual. Um jogo de regras frias, individualismo exacerbado e ausência de hombridade.

Urge que entidades como a FIDE (International Chess Federation) e a CBX (Confederação Brasileira de Xadrez) reconsiderem a imposição dessas regras competitivas modernas para as crianças em torneios escolares. É imperativo que a postura de árbitros e treinadores seja revista, com um foco renovado na formação integral do indivíduo.

Acreditamos que a maioria dos pais e da sociedade não anseiam por meros campeões de xadrez mirins, mas sim por cidadãos melhores para o nosso futuro. A oportunidade de moldar essas novas gerações de forma mais virtuosa do que fomos moldados é uma responsabilidade que não podemos negligenciar. A busca pela criação de indivíduos honestos, honrados e empáticos representa o legado mais valioso que podemos construir.

É tempo de resgatarmos o verdadeiro espírito nobre do xadrez, relegando essa cultura de individualismo e falta de cavalheirismo ao universo adulto. O futuro de nossas crianças, e por extensão, de nossa sociedade, está em xeque. A hora de agir e priorizar a formação de seres humanos melhores é agora.

Mychel Dawid Ramalho Costa