Quem sou eu? Diante de um Ives Gandra da Silva Martins? A relação de suas atividades, sua participação e formação, apenas a relação, enche páginas e páginas.
Eu? Um matuto, vivendo no fim de linha do sertão nordestino, mal formado e pouco estudado, com 75 anos de vida, sempre sofrida e sempre a espera do amanhã, que com certeza será melhor. Ou sendo explícito, sem auto comiseração: sem aprender nada de nada.
Leio. Um hábito já não tão comum nestes tempos em que imagens em movimento, por trinta segundos, são capazes de balizar atitudes, ações e determinar quem é quem e fez e faz o que. Sou estranho.
Sou crítico. Outro hábito não usual nesta era de aceitação imediata das pregações inflamadas, algumas ofensivas e todas, todas, voltadas a interesses pouco celestiais.
Junto estes dois péssimos costumes, dia após a imensidão dos feriados, que só tiveram um ponto em comum: foram e serão celebrações de louvor a seres humanos que viveram e morreram defendendo a liberdade.
Cristo para nos salvar. Nos tempos Dele, dos romanos, tiranos, letrados, com a missão divina de subjugar os selvagens do oriente, submetê-los à “Pax Romana”, convertê-los à obediência ao do Imperador Tibério. Recordem-se: Com um Senado calado e controlado, com senadores indicados por ele, juízes alinhados com as diretrizes do Império.
Na Judéia, uma colônia dos confins do Império, nem merecia um governante autônomo, como fora Herodes. Era administrada por procuradores. Pôncio Pilatos, hesitante, servil, que ascendera ao posto por pertencer à uma família romana, de origem samnita, o que já indicava certa notoriedade e vinculação a uma estrutura familiar capaz de produzir administradores para as províncias romanas.
Eis o ambiente formado. Rebelião, insatisfação, censura e perseguição. Somando-se a isso a servilidade da classe dominante, que forneciam recursos e informações sobre os subversivos, divididos em dezenas de seitas e denominações.
Jesus, figura simbólica, é lembrado por ter oferecido sua vida em nome da libertação e de um futuro com respeito à vida.
Em Minas
A época de Tiradentes, final do século XVIII, era marcada por profundas desigualdades sociais e uma estrutura econômica fortemente voltada à extração de recursos, especialmente o ouro. No coração da Minas Gerais, onde a Inconfidência Mineira ganhou força, o sistema colonial impunha altos tributos e controlava rigidamente a economia por meio de uma administração centralizadora, que destinava grande parte dos lucros da mineração à Coroa Portuguesa. Essa política fiscal opressiva agravava o descontentamento dos mineradores, comerciantes e demais setores, que se viam sufocados por uma tributação desproporcional e sem perspectivas de desenvolvimento local.
Socialmente, a sociedade mineira ostentava uma divisão bastante marcada. De um lado, uma pequena elite — composta por proprietários de minas, comerciantes e burocratas nomeados de confiança pela metrópole — acumulava riquezas e influências. Do outro, a vasta maioria da população vivia em condições difíceis, formada por trabalhadores, pequenos agricultores, artesãos e um contingente significativo de escravos. Essa disparidade social gerava um ambiente de tensão e insatisfação, incentivando a difusão dos ideais do Iluminismo, que promoviam liberdade, igualdade e o direito à representação política.
Esses fatores formaram o caldo cultural que impulsionou movimentos de contestação, como a Inconfidência Mineira. Inspirados pelos ideais iluministas e pelos exemplos revolucionários internacionais, os inconfidentes vislumbravam um futuro em que a exploração econômica e a arbitrariedade do governo colonial fossem substituídas por um modelo mais justo e autônomo.
Tiradentes, figura simbólica desse movimento, acabou sendo lembrado por sua atuação e pelo sacrifício pessoal em nome de uma esperança de redenção social e política que, ainda que não concretizada, plantou sementes para transformações futuras na história do Brasil.
Parecido o caldo social e cultural das duas épocas não é?
Agora vamos analisar do ponto de vista do poder. A Coroa Portuguesa tinha leis sólidas que sustentavam o Império e força capaz de aplicá-la em todos os espaços do reino. Contava com colaboradores e alimentava uma elite nativa onde quer que se estabelecessem. O Império Romano também. E os dois impérios viviam tempos de bonança e paz, obtidas por conquistas, saques, repressão e dominação. Os anos de Tibério foram bons anos do Império, assim como os anos de D. Maria I e sua eminence grise, o Marquês de Pombal.
Os juízes, por óbvio, eram juízes do Império. Cumpriam a Lei, de forma clara e impessoal, sem preferências pessoais pré estabelecidas. De Pôncio Pilatos ainda se ouviu o titubear, oferecendo alternativa às elites que se sujeitavam aos romanos; dos tribunais de D. Maria, apenas o cumprimento estrito da Lei.
Estavam ali para julgar subversivos, perigosos e atuantes, capazes de planejar, mobilizar, oferecer sonhos e alternativas fora das leis. Cumpriram suas tarefas exemplarmente.
Agora vamos a Ives Granda e sua dissertação.
Ele, sem disfarçar, une o julgamento do revolucionário Cristo para desmerecer um juiz que julga de acordo com a Lei. Mistura Hitler com Fidel e acrescenta, ou inicia, claro, com Stalin.
Sem disfarce utiliza, Cristo em favor do seu interesse e defesa dos que pretendiam golpear o Estado, ressaltando-se, com ênfase, que nenhum deles defendia ideias e futuro, como Cristo e Tiradentes.
Confunde, ou pretende confundir, associando o julgamento de Cristo aos milagres que ele produzia quando em verdade, o Cristo foi condenado pelas ideias do novo reino que encantava as multidões insatisfeitas. Assim como Tiradentes, que não foi condenado apenas por desmerecer a farda que usava em nome do Império, mas pelo sonho que oferecia de liberdade e fraternidade.
Os juízes de Tiradentes e Cristo foram imparciais. Cumpriram a Lei. E aí Ives Granda de novo embaralha propositadamente e cita um juiz parcial e acumpliciado com o passado e com o erro, André Mendonça. Me surge a pergunta: Algum de vocês nomearia André Mendonça para julgar Bolsonaro? Ou Malafaia? Ou, no limite, para julgar Flordelis?
Ives, do alto de sua capacidade, sapiência, conhecimento e capacidade de convencimento, não consegue alinhavar de maneira coerente o final de sua dissertação. A peroração fica falha, esburacada, sem a força que Ives consegue imprimir às suas defesas.
Lamento Ives, realmente é difícil conciliar bolsonarismo, cristianismo e iluminismo.
Manoel Leão
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