Em meio ao aumento da fome, iniciativas tentam evitar desperdício de alimentos

Enquanto mais de 20 milhões de pessoas no país passam fome, cada brasileiro desperdiça cerca de 60kg de alimentos por ano, segundo pesquisa feita pela Embrapa.

Isso sem contar o que é jogado fora ainda na lavoura e nos supermercados. A estimativa da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) é que o mundo jogue no lixo cerca de 931 milhões de toneladas de alimentos por ano.

O número equivale a 17% de toda a produção mundial de alimentos.

Em meio à crise econômica que o Brasil vive, a situação fica ainda mais grave. Em dezembro de 2020, mais da metade dos brasileiros declararam sofrer de algum tipo de insegurança alimentar. A triste situação fez com que o Brasil voltasse para o Mapa da Fome e que cenas como a de pessoas fazendo fila para procurar alimentos no meio do lixo ficassem cada vez mais comuns. Como na segunda-feira (10/1), por exemplo, quando moradores do Amazonas foram vistos desenterrando frangos no lixo. 

Para tentar melhorar essa situação, ONGs, startups e instituições têm criado iniciativas que buscam dar um destino melhor para alimentos que seriam jogados fora, assim como na novela Um lugar ao sol, da TV Globo,  em que as personagens de Marieta Severo e Andreia Horta usam alimentos que seriam descartados por um supermercado para fazer refeições para pessoas em situação de rua.

Esse tipo de iniciativa ganhou um incentivo em 2020 com a aprovação da Lei 14.016/20. A nova legislação permite que bares e restaurantes doem os excedentes não comercializados e ainda próprios para o consumo humano e eles somente responderão penalmente por possíveis danos se agirem com dolo. O medo de ser processado sempre foi um entrave para que este tipo de estabelecimento jogasse os alimentos fora. O presidente da Abrasel-DF, Beto Pinheiro, disse que é preciso estar atento a questões de segurança alimentar. "Se é para fazer doação, deve-se fazer adequadamente. Tem que ter cuidado com essa questão de segurança alimentar", destaca. 

De acordo com Gustavo Porpino, pesquisador da Embrapa Alimentos e Territórios, as mudanças na legislação são importantes, mas ainda falta que as redes de supermercados e restaurantes conheçam a lei e que tenham condições de fazer as doações, como bancos de alimentos. "Precisamos comunicar mais essas possibilidades para o varejo e buscar meios para que eles tenham como doar o alimento”, destaca. Atualmente o Brasil conta com 168 bancos de alimentos, segundo o Ministério da Cidadania. A questão, para o pesquisador, é que a maior parte dessas iniciativas estão no Sul e Sudeste, onde o problema é menos grave.

"É um problema global e nós somos um grande produtor de alimentos, então precisamos reduzir perdas ao longo de toda a cadeia. Além disso, é uma forma de elevar o consumo de frutas e hortaliças, porque se você aumenta a disponibilidade, o preço tende a ficar mais acessível", destaca Gustavo. 

Ele ainda chama atenção para o desperdício dentro de casa. "É uma questão cultural. O Brasil é um país muito desigual. Às vezes as pessoas têm a vida muito atribulada e isso faz com que parte dos alimentos sejam desperdiçados, porque elas não conseguem planejar bem. A pessoa esquece que ainda tem arroz na geladeira, por exemplo".

Foi de uma indignação com o desperdício que nasceu o Comida Invisível. A empresária Daniela Leite lembra que foi até a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) atrás de frutas frescas para fazer uma geleia para o filho, há 5 anos, quando viu várias frutas sendo jogadas fora. "Me deparei com pilhas de frutas e vegetais que, por estarem no ponto ideal de consumo, tinham perdido valor comercial. Naquele momento, passei a ver nos alimentos que iriam para o lixo os rostos das pessoas que poderiam ter acesso a eles", lembra.

O Comida Invisível conecta quem tem alimentos para doar com quem precisa deles. "Para ter acesso à plataforma e participar desse processo, as partes (doadores e receptores) assinam compromissos de responsabilidade que incluem a correta manipulação e armazenamento dos alimentos, além de um treinamento obrigatório que segue as normas da Anvisa. Dessa forma, há garantias de segurança a todos os envolvidos", explica.

Além disso, há também uma parte só educacional, com treinamento de boas práticas de alimentação voltadas para ONGs.

A iniciativa foi reconhecida pela UN-Habitat com o selo Waste Wise Cities como uma das 20 soluções mais inovadoras no combate ao desperdício de alimentos. Em 2021, mais

Correio Braziliense